A CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER (1643–46)




A CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER
(1643–46)


CAPÍTULO 1: DA SAGRADAS ESCRITURAS

  1. Ainda que a luz da natureza e as obras da criação e da providência manifestam de tal modo a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, que os homens sejam inescusáveis, todavia não são suficientes para dar aquele conhecimento de Deus e de sua vontade, necessário à salvação; por isso agradou ao Senhor, em diversos tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua Igreja aquela sua vontade; e depois, para melhor preservação e propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a corrupção da carne e contra a maldade de Satanás e do mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever toda. Isto torna as Escrituras Sagradas indispensável, tendo cessado aqueles antigos modos de Deus revelar a sua vontade ao seu povo.
  2. Sob o nome de Escrituras Sagradas, ou Palavra de Deus escrita, incluem-se agora todos os livros do Antigo e do Novo Testamento, que são os seguintes:


O ANTIGO TESTAMENTO

Gênesis Êxodo Levítico Números Deuteronômio Josué
Juízes Rute
    1. Samuel
    2. Samuel
      1. Reis
      2. Reis
1 Crônicas

2 Crônicas Esdras Neemias Ester
Jó Salmos
Provérbios Eclesiastes Cantares Isaías Jeremias Lamentações
Ezequiel

Daniel Oséias Joel Amós Obadias Jonas Miquéias Naum
Habacuque Sofonias Ageu Zacarias Malaquias



NOVO TESTAMENTO


Mateus Marcos Lucas João Atos Romanos
1Coríntios 2Coríntios Gálatas Efésios Filipenses Colossenses
1Tessalonicenses 2Tessalonicenses
  1. Timóteo
  2. Timóteo Tito Filemom Hebreus Tiago
    1. Pedro
    2. Pedro
  1. João
  2. João
  3. João Judas Apocalipse
Todos eles são dados por inspiração de Deus para serem a regra de fé e prática.
  1. Os livros geralmente chamados Apócrifos, não sendo de inspiração divina, não fazem parte do Cânon das Escrituras; não são, portanto, de autoridade na Igreja de Deus, nem de modo algum podem ser aprovados ou empregados senão como escritos humanos.
  2. A autoridade das Escrituras Sagradas, razão pela quais deves ser cridas e obedecidas, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o Autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a Palavra de Deus.
  3. Pelo Testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente apreço pelas Escrituras Sagradas; a suprema excelência do seu conteúdo, a eficácia da sua doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes, o escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação que faz do único meio de salvar-se o homem, as suas muitas outras excelências incomparáveis e completas perfeição são argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a Palavra de Deus; contudo, a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provêm da operação interna do Espírito Santo que pela Palavra e com a Palavra testifica em nossos corações.
  4. Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a sua glória e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado nas Escrituras ou pode ser lógica e claramente delas deduzido. Às Escrituras nada se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens; reconhecemos, entretanto, ser necessária a iluminação interior do Espírito de Deus para a salvadora compreensão das coisas reveladas na Palavra, e que há algumas circunstâncias, quanto ao culto de Deus e ao governo da Igreja, comuns às ações e sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as regras da Palavra, que sempre devem ser observadas.
  5. Nas Escrituras não são todas as coisas em si, nem do mesmo modo evidentes a todos; contudo, as coisas que precisam ser obedecidas, cridas e observadas para a salvação, em uma ou outra passagem das Escrituras são tão claramente expostas e aplicadas, que não só os doutos, mas ainda os indoutos, no devido uso dos meios comuns, podem alcançar uma suficiente compreensão delas.
  6. O Antigo Testamento em hebraico (língua nativa do antigo povo de Deus) e o Novo Testamento em grego (a língua mais geralmente conhecida entre as nações no tempo em que foi escrito), sendo inspirados imediatamente por Deus, e pelo seu singular cuidado e providência conservados puros em todos os séculos, são, por isso, autênticos, e assim em todas as controvérsias religiosas a Igreja deve apelar para eles como um supremo tribunal; mas, não sendo essas línguas conhecidas por todo o povo de Deus, que tem direito e interesse nas Escrituras, e que deve, no temor de Deus, lê-las e estudá-las, esses livros têm de ser traduzidos nas línguas comuns de todas as nações aonde chegarem, a fim de que, permanecendo nelas abundantemente a Palavra de Deus, adorem a Deus de modo aceitável e possuam a esperança pela paciência e conforto das Escrituras.
  7. A regra infalível de interpretação das Escrituras é as próprias Escrituras; portanto, quando houver questão sobre o verdadeiro e pleno sentido de qualquer texto das Escrituras (sentido que não é múltiplo, mas único), esse texto pode ser estudado e compreendido por outros textos que falem mais claramente.
  8. O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas, e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniões particulares, o Juiz Supremo, em cuja sentença nos devemos firmar, não pode ser outro senão o Espírito Santo falando nas Escrituras.

CAPÍTULO 2: DE DEUS E DA SANTÍSSIMA TRINDADE

  1. Há um só Deus vivo e verdadeiro, o qual é infinito em seu ser e em perfeição. Ele é um Espírito puríssimo, invisível, sem corpo, sem membros, não sujeito a paixões; é imutável, imenso, eterno, incompreensível, onipotente, onisciente, santíssimo, completamente livre e absoluto, e tudo faz segundo o conselho da sua própria vontade, que é reta e imutável, e para a sua própria glória. É cheio de amor, gracioso, misericordioso, longânimo, muito bondoso e verdadeiro galardoador dos que o buscam, e, contudo, justíssimo e terrível em seus juízos, pois odeia todo o pecado; de modo algum terá por inocente o culpado.
  2. Deus tem, em si mesmo, e de si mesmo, toda a vida, glória, bondade, e bem- aventurança. Ele é todo-suficiente em si e para si, pois não precisa das criaturas que trouxe à existência; não deriva delas glória alguma, mas somente manifesta a sua glória nelas, por elas, para elas e sobre elas. Ele é a única origem de todo ser; dele, por ele e para ele são todas as coisas e sobre elas tem ele soberano domínio para fazer com elas, para elas e sobre elas tudo quanto quiser. Todas as coisas estão patentes e manifestas diante dele; o seu saber é infinito, infalível e independente da criatura, de sorte que para ele nada é contingente ou incerto. Ele é santíssimo em todos os seus conselhos, em todas as suas obras e em todos os seus preceitos. Da parte dos anjos e dos homens e de qualquer outra criatura lhe são devidos todo culto, todo serviço e toda obediência, que ele houve por bem exigir deles.
  3. Na unidade da Divindade há três pessoas de uma mesma substância, poder e eternidade: Deus o Pai, Deus o Filho e Deus o Espírito Santo. O Pai não é de ninguém: não é gerado, nem procedente; o Filho é eternamente gerado do Pai; o Espírito Santo é eternamente procedente do Pai e do Filho.

CAPÍTULO 3: DOS ETERNOS DECRETOS DE DEUS

  1. Desde toda a eternidade e pelo mui sábio e santo conselho de sua própria vontade, Deus ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é à vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas.
  2. Ainda que sabe tudo quanto pode ou há de acontecer em todas as circunstâncias imagináveis, Deus não decreta coisa alguma por havê-la previsto como futura, ou como coisa que havia de acontecer em tais condições.
  3. Pelo decreto de Deus e para a manifestação da sua glória, alguns homens e alguns anjos são predestinados para a vida eterna e outros preordenados para a morte eterna.
  4. Esses homens e esses anjos, assim predestinados e preordenados, são particular e imutavelmente designados; o seu número é tão certo e definido, que não pode ser nem aumentado nem diminuído.
  5. Segundo o seu eterno e imutável propósito, e segundo o santo conselho e beneplácito de sua vontade, antes que fosse o mundo criado, Deus escolheu em Cristo, para a glória eterna, os homens que são predestinados para a vida; para o louvor da sua gloriosa graça ele os escolheu de sua mera e livre graça e amor, e não por previsão de fé, ou de boas obras e perseverança nelas, ou de qualquer outra coisa na criatura que a isso o movesse, como condição ou causa.
  6. Assim como Deus destinou os eleitos para a glória, assim também, pelo eterno e mui livre propósito de sua vontade, preordenou todos os meios conducentes a esse fim; os que, portanto, são eleitos, achando-se caídos em Adão, são remidos por Cristo, são eficazmente chamados para a fé em Cristo, pelo seu Espírito que opera no tempo devido, são justificados, adotados, santificados e guardados pelo seu poder, por meio da fé salvadora. Além dos eleitos não há nenhum outro que seja remido por Cristo, eficazmente chamado, justificado, adotado, santificado e salvo.
  7. Segundo o inescrutável conselho de sua própria vontade, pela qual ele concede ou recusa misericórdia, como lhe apraz, para a glória de seu soberano poder sobre as suas
criaturas, para louvor de sua gloriosa justiça, o resto dos homens foi Deus servido não contemplar e ordená-los para a desonra e ira por causa de seus pecados.
  1. A doutrina deste alto mistério de predestinação deve ser tratada com especial prudência e cuidado, a fim de que os homens, atendendo à vontade de Deus, revelada em sua Palavra, e prestando obediência a ela, possam, pela evidência de sua vocação eficaz, certificar-se de sua eterna eleição. Assim, a todos os que sinceramente obedecem ao Evangelho, esta doutrina traz motivo de louvor, reverência e admiração para com Deus, bem como de humildade, diligência e abundante consolação.

CAPÍTULO 4: DA CRIAÇÃO

  1. Ao princípio aprouve a Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo, para manifestação da glória de seu eterno poder, sabedoria e bondade, criar ou fazer do nada, no espaço de seis dias, e tudo muito bom, o mundo e tudo o que nele há, quer as coisas visíveis quer as invisíveis.
  2. Depois de haver feito as outras criaturas, Deus criou o homem, macho e fêmea, com as almas racionais e imortais, e dotou-os de inteligência, retidão e perfeita santidade, segundo a sua própria imagem, tendo a lei de Deus escrita em seus corações e o poder de cumpri-la, mas com a possibilidade de transgredi-la, sendo deixados à liberdade de sua própria vontade, que era mutável. Além dessa escrita em seus corações, receberam o preceito de não comerem da árvore da ciência do bem e do mal; enquanto obedeceram a este preceito, foram felizes em sua comunhão com Deus e tiveram domínio sobre as criaturas.

CAPÍTULO 5: DA PROVIDÊNCIA

  1. Pela mui sábia e santa providência, segundo a sua infalível presciência e o livre e imutável conselho de sua própria vontade, Deus, o grande Criador de todas as coisas, para o louvor da glória de sua sabedoria, poder, justiça, bondade e misericórdia, sustenta, dirige, dispõe e governa todas as criaturas, todas as ações delas e todas as coisas, desde a maior até a menor.
  2. Posto que, em relação à presciência e ao decreto de Deus, que é a causa primária, todas as coisas acontecem imutável e infalivelmente, contudo, pela mesma providência, Deus ordena que elas sucedam, necessária, livre ou contingentemente, conforme a natureza das causas secundárias.
  3. Na sua providência comum, Deus emprega meios; todavia, ele é livre para operar sem eles, sobre eles ou contra eles, segundo o seu beneplácito.
  4. A onipotência, a sabedoria inescrutável e a bondade infinita de Deus, de tal maneira se manifestam na sua providência, que esta se estende até a primeira queda e a todos os outros pecados dos anjos e dos homens, e isto não por uma mera permissão, mas por uma permissão tal que, para os seus próprios e santos desígnios, sábia e poderosamente os limita, regula e governa em uma múltipla dispensação; mas essa permissão é tal, que a pecaminosidade dessas transgressões procede tão somente da criatura e não de Deus, que, sendo santíssimo e justíssimo, não pode ser o autor do pecado e nem pode aprová-lo.
  5. O muitíssimo sábio, justo e gracioso Deus muitas vezes deixa, por algum tempo, seus filhos entregues a muitas tentações e à corrupção de seus próprios corações, para castigá-los pelos seus pecados anteriores ou fazer-lhes conhecer o poder oculto da corrupção e dolo de seus corações, a fim de que eles sejam humilhados; para animá-los a dependerem mais íntima e constantemente do apoio dele e torná-los mais vigilantes contra as futuras ocasiões de pecar, bem como para vários outros fins justos e santos.
  6. Quanto aos homens perversos e ímpios que Deus, como justo juiz, cega e endurece em razão de pecados anteriores, ele não só lhes recusa a graça pela qual poderiam ser iluminados em seus entendimentos e movidos em seus corações, mas às vezes tira os dons que já possuíam, e os expõe a objetos que, por sua corrupção, tornam ocasiões de pecado; além
disso, os entrega às suas próprias paixões, às tentações do mundo e ao poder de Satanás; assim, acontece que eles se endurecem sob as influências dos meios que Deus emprega para o abrandamento dos outros.
  1. Como a providência de Deus se estende, em geral, a todas as criaturas, assim, pois, de um modo muitíssimo especial, essa mesma providência cuida de sua igreja e tudo dispõe a bem dela.

CAPÍTULO 6: DA QUEDA DO HOMEM, DO PECADO E DO SEU CASTIGO

  1. Nossos primeiros pais seduzidos pela astúcia e tentação de Satanás, pecaram ao comerem o fruto proibido. Segundo o seu sábio e santo conselho, foi Deus servido permitir este pecado deles, havendo determinado ordená-lo para a sua própria glória.
  2. Por este pecado eles decaíram de sua retidão original e da comunhão com Deus, e assim se tornaram mortos em pecado e inteiramente corrompidos em todas as faculdades e partes do corpo e da alma.
  3. Sendo eles o tronco de toda a humanidade, o delito de seus pecados foi imputado a seus filhos; e a mesma morte em pecado, bem como a sua natureza corrompida, foram transmitidas a toda a sua posteridade, que deles procede por geração comum.
  4. Desta corrupção original, pela qual ficamos totalmente indispostos, incapazes e adversos a todo o bem e inteiramente inclinados a todo o mal, é que procedem todas as transgressões atuais.
  5. Esta corrupção da natureza persiste, durante esta vida, naqueles que são regenerados; e embora seja ela perdoada e mortificada por Cristo, todavia ela como os seus impulsos são real e propriamente pecado.
  6. Todo pecado, tanto original como atual, sendo transgressão da justa lei de Deus e a ela contrário, torna culpado o pecador, em sua própria natureza, e por essa culpa está sujeito à ira de Deus e à maldição da lei, e, portanto, sujeito à morte, com todas as misérias espirituais, temporais e eternas.

CAPÍTULO 7: DO PACTO DE DEUS COM O HOMEM

  1. Tão grande é à distância entre Deus e a criatura, que, embora as criaturas racionais lhe devam obediência como seu Criador, nunca poderiam fruir nada dele, como bem-aventurança e recompensa, senão por alguma voluntária condescendência da parte de Deus, a qual agradou-lhe expressar por meio de um pacto.
  2. O primeiro pacto feito com o homem era um pacto de obras; nesse pacto foi a vida prometida a Adão e, nele, à sua posteridade, sob a condição de perfeita e pessoal obediência.
  3. Tendo-se o homem tornado, pela sua queda, incapaz de ter vida por meio deste pacto, o Senhor dignou-se a fazer um segundo pacto, geralmente chamado de pacto da graça; neste pacto da graça ele livremente oferece aos pecadores a vida e salvação através de Jesus Cristo, exigindo deles a fé, para que sejam salvos, e prometendo o seu Santo Espírito a todos os que estão ordenados para a vida, a fim de dispô-los e habilitá-los a crer.
  4. Este pacto da graça é freqüentemente apresentado nas Escrituras pelo nome de testamento, em referência à morte de Cristo, o Testador, e à eterna herança, com tudo o que lhe pertence, legada neste pacto.
  5. Este pacto, no tempo da Lei, não foi administrado como no tempo do Evangelho. Sob a Lei, foi administrado por meio de promessas, profecias, sacrifícios, da circuncisão, do cordeiro pascal e de outros tipos e ordenanças dados ao povo judeu, tudo prefigurando Cristo que havia de vir. Por aquele tempo, essas coisas, pela operação do Espírito Santo, foram suficientes e eficazes para instruir e edificar os eleitos na fé do Messias prometido, por quem tinham plena remissão dos pecados e a salvação eterna; este se chama o Antigo Testamento.
  6. Sob o Evangelho, quando Cristo, a Substância, se manifestou, as ordenanças, nas quais este pacto é ministrado, passaram a ser a pregação da Palavra e a administração dos Sacramentos do Batismo e da Ceia do Senhor; por estas ordenanças, posto que em número menor e administradas com mais simplicidade e menos glória externa, o pacto se manifesta com mais plenitude, evidência e eficácia espiritual, a todas as nações - tanto aos judeus como aos gentios. Isto é chamado Novo Testamento. Não há, pois, dois pactos da graça diferentes em substância, mas um e o mesmo sob várias dispensações.

CAPÍTULO 8: DE CRISTO, O MEDIADOR

  1. Aprouve a Deus, em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu Filho Unigênito, para ser o Mediador entre Deus e o homem, o Profeta, Sacerdote e Rei, o Cabeça e Salvador de sua Igreja, o Herdeiro de todas as coisas e o Juiz do mundo; e deu-lhe, desde toda a eternidade, um povo para ser sua semente, e para, no tempo devido, ser por ele remido, chamado, justificado, santificado e glorificado.
  2. O Filho de Deus, a segunda Pessoa da Trindade, sendo verdadeiro e eterno Deus, da mesma substância do Pai e igual a ele, quando chegou o cumprimento do tempo, tomou sobre si a natureza humana com todas as suas propriedades essenciais e enfermidades comuns, contudo sem pecado, sendo concebido pelo poder do Espírito Santo no ventre da Virgem Maria, e da substância dela. As duas naturezas inteiras, perfeitas e distintas - a Divindade e a Humanidade - foram inseparavelmente unidas em uma só pessoa, sem conversão, verdadeiro homem, porém um só Cristo, o único Mediador entre Deus e o homem.
  3. O Senhor Jesus, em sua natureza humana unida à divina, foi santificado e sem medida ungido com o Espírito Santo, tendo em si todos os tesouros da sabedoria e da ciência. Aprouve ao Pai que nele habitasse toda a plenitude, a fim de que, sendo santo, inocente, incontaminado e cheio de graça e verdade, estivesse perfeitamente preparado para exercer o ofício de Mediador e Fiador. Este ofício ele não tomou para si, mas para ele foi chamado pelo Pai, que lhe pôs nas mãos todo o poder e todo o juízo, e lhe ordenou que os exercesse.
  4. Este ofício o Senhor Jesus empreendeu mui voluntariamente. Para que pudesse exercê- lo, ele se fez sujeito à lei, a qual cumpriu perfeitamente, padeceu imediatamente em sua alma os mais cruéis tormentos, e em seu corpo, os mais penosos sofrimentos; foi sepultado e ficou sob o poder da morte, mas não viu a corrupção; ao terceiro dia ressuscitou dois mortos, com esse corpo subiu ao céu, onde está sentado à destra do Pai, fazendo intercessão; de lá voltará no fim do mundo para julgar os homens e os anjos.
  5. O Senhor Jesus, pela sua perfeita obediência e pelo sacrifício de si mesmo, sacrifício que, pelo Eterno Espírito, ofereceu a Deus uma só vez, satisfez plenamente à justiça de seu Pai, e, para todos aqueles que o Pai lhe deu, adquiriu não só a reconciliação, como também uma herança perdurável no Reino dos Céus.
  6. Ainda que a obra da redenção não fora realmente realizada por Cristo senão depois de sua encarnação, contudo a virtude, a eficácia e os benefícios dela, em todas as épocas sucessivas desde o princípio do mundo foram comunicados aos eleitos por meio das promessas, tipos e sacrifícios, pelos quais ele devia esmagar a cabeça da serpente, como o cordeiro morto desde o princípio do mundo, sendo ele o mesmo ontem, hoje e para sempre.
  7. Cristo, na obra de mediação, age de conformidade com as suas duas naturezas, fazendo cada uma o que lhe é próprio; contudo, em razão da unidade de uma pessoa, o que é próprio de uma natureza é, às vezes, nas Escrituras, atribuído à pessoa denominada pela outra natureza.
  8. Cristo, com toda certeza e de forma eficaz, aplica e comunica a salvação a todos aqueles para quem a adquiriu. Isto ele consegue, fazendo intercessão por eles e revelando-lhes na Palavra e pela Palavra os mistérios da salvação, persuadindo-os, eficazmente, pelo seu Espírito, subjugando todos os seus inimigos por meio de sua onipotência e sabedoria, da maneira e pelos meios mais condizentes com a sua admirável e inescrutável dispensação.


CAPÍTULO 9: DO LIVRE-ARBÍTRIO

  1. Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade natural, que ela nem é forçada para o bem nem para o mal, nem a isso é determinada por qualquer necessidade absoluta de sua natureza.
  2. O homem, em seu estado de inocência, tinha a liberdade e o poder de querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus; mas era passível de mudança, de sorte que pudesse cair dessa liberdade e poder.
  3. O homem, ao cair no estado de pecado, perdeu inteiramente todo o poder de vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação; de sorte que um homem natural, inteiramente contrário a esse bem e morto no pecado, é incapaz de, pelo seu próprio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para isso.
  4. Quando Deus converte um pecador e o transfere para o estado de graça, ele o liberta de sua natural escravidão ao pecado e, somente por sua graça, o habilita a querer e a fazer com toda a liberdade o que é espiritualmente bom, mas isso de tal modo que, por causa da corrupção ainda existente nele, o pecador não faz o bem perfeitamente, nem deseja somente o que é bom, mas também o que é mau.
  5. É no estado de glória que a vontade do homem se torna perfeita e imutavelmente livre para o bem só.

CAPÍTULO 10: DA VOCAÇÃO EFICAZ

  1. Todos aqueles a quem Deus predestinou para a vida, e só esses, é ele servido chamar eficazmente pela sua Palavra e pelo seu Espírito, no tempo por ele determinado e aceito, tirando-os daquele estado de pecado e morte em que estão por natureza para a graça e salvação, em Jesus Cristo. Isto ele o faz, iluminando os seus entendimentos, espiritual e salvificamente, a fim de compreenderem as coisas de Deus, tirando-lhes os seus corações de pedra e dando-lhes corações de carne, renovando as suas vontades e determinando-as, pela sua onipotência, para aquilo que é bom, e atraindo-os eficazmente a Jesus Cristo, mas de maneira que eles vêm mui livremente, sendo para isso dispostos pela sua graça.
  2. Esta vocação eficaz provém unicamente da livre e especial graça de Deus, e não de qualquer coisa prevista no homem; nesta vocação, o homem é inteiramente passivo, até que, vivificado e renovado pelo Espírito Santo, fica habilitado a corresponder a ela e a receber a graça nela oferecida e comunicada.
  3. As crianças eleitas que morrem na infância são regeneradas e salvas por Cristo por meio do Espírito que opera quando, onde e como lhe apraz. Do mesmo modo são salvas todas as outras pessoas eleitas incapazes de serem exteriormente chamadas pelo ministério da palavra.
  4. Os não eleitos, ainda que chamados pelo ministério da Palavra e tenham algumas das operações comuns do Espírito, contudo jamais chegam a Cristo e, portanto, não podem ser salvos; muito menos poderão ser salvos por qualquer outro meio os que não professam a religião cristã, por mais diligentes que sejam em padronizar suas vidas de acordo com a luz da natureza e com a lei da religião que professam; asseverar e manter que o podem é muito pernicioso e detestável.

CAPÍTULO 11: DA JUSTIFICAÇÃO

  1. Os que Deus chama eficazmente, também livremente justifica. Esta justificação não consiste em Deus infundir neles a justiça, mas em perdoar os seus pecados e em considerar e aceitá-los como justos. Deus não os justifica em razão de qualquer coisa neles operada ou por eles feita mas somente em consideração à obra de Cristo; não lhes imputando como justiça à própria fé, o ato de crer, ou qualquer outro ato de obediência evangélica, mas imputando-lhes
a obediência e a satisfação de Cristo, quando eles o recebem e se firmam nele pela fé, fé esta que possuem não como oriunda de si mesmos, mas como dom de Deus.
  1. A fé, assim recebendo e assim repousando em Cristo e em sua justiça, é o único instrumento da justificação; contudo, não está sozinha na pessoa justificada, mas sempre acompanhada de todas as demais graças salvíficas; não é uma fé morta, mas a fé que age através do amor.
  2. Cristo, por meio de sua obediência e morte, pagou plenamente a dívida de todos que são assim justificados, e, em favor deles, fez à justiça de seu Pai uma satisfação própria, real e plena. Contudo, como Cristo foi pelo Pai dado em favor deles, e como a obediência e a satisfação dele foram aceitas em lugar deles, ambas livremente e não por nada que neles existe, a justificação deles provém unicamente da livre graça, a fim de que tanto a perfeita justiça como a graça abundante de Deus possam ser glorificadas na justificação dos pecadores.
  3. Deus, desde toda a eternidade, decretou justificar todos os eleitos; e Cristo, no cumprimento do tempo, morreu pelos pecados deles e ressuscitou para a justificação deles; contudo, eles não são justificados até que o Espírito Santo, no tempo próprio e de fato, comunica-lhes Cristo.
  4. Deus continua a perdoar os pecados dos que são justificados. Embora eles nunca possam cair do estado de justificação, poderão, contudo, por seus pecados, incorrer no paternal desagrado de Deus e ficar privados da luz de sua graça, até que se humilhem, confessem os seus pecados, peçam perdão e renovem a sua fé e o seu arrependimento.
  5. A justificação dos crentes sob o Antigo Testamento era, em todos estes aspectos, uma e a mesma justificação dos crentes sob o Novo Testamento.

CAPÍTULO 12: DA ADOÇÃO

1. A todos os que são justificados, Deus se digna fazer participantes da graça da adoração em e por seu único Filho Jesus Cristo. Por essa graça, eles são recebidos no número e gozam a liberdade e privilégios dos filhos de Deus, têm sobre si o nome dele, recebem o Espírito de adoração, têm acesso, com ousadia, ao trono da graça, e são habilitados e clamam: “Aba, Pai”; são tratados com piedade, protegidos, providos e corrigidos por ele, como por um Pai; nunca, porém, abandonados, mas selados para o dia da redenção, e recebem as promessas como herdeiros da eterna salvação.

CAPÍTULO 13: DA SANTIFICAÇÃO

  1. Os que são eficazmente chamados e regenerados, tendo sido criado neles um novo coração e um novo Espírito, são, além disso, santificados, real e pessoalmente, pela virtude da morte e ressurreição de Cristo, por sua Palavra e por seu Espírito, que neles habita; o domínio de todo o corpo do pecado é destruído, as suas várias concupiscências são mais e mais enfraquecidas e mortificadas, e eles são mais e mais vivificados e fortalecidos em todas as graças salvadoras, para a prática da verdadeira santidade sem a qual ninguém verá o Senhor.
  2. Esta santificação é no homem todo, porém imperfeita nesta vida; ainda subsiste em todas as partes dele restos da corrupção, e daí nasceu uma guerra contínua e irreconciliável: a carne lutando contra o Espírito, e o Espírito contra a carne.
  3. Nesta guerra, embora prevaleçam por algum tempo as corrupções que restam, contudo, pelo contínuo socorro da eficácia do santificador Espírito de Cristo, à parte regenerada conquista a vitória, e assim os santos crescem em graça, aperfeiçoando a sua santidade no temor de Deus.

CAPÍTULO 14: DA FÉ SALVADORA

  1. A graça da fé, por meio da qual os eleitos são habilitados a crer para a salvação das suas almas, é a obra que o Espírito de Cristo faz nos corações deles, e é sempre operada pelo ministério da Palavra, por esse ministério, bem como pela administração dos sacramentos e pela oração, ela é aumentada e fortalecida.
  2. Por esta fé o cristão, segundo a autoridade do mesmo Deus que fala em sua Palavra, crê ser verdade tudo quanto nela é revelado, e age de conformidade com aquilo que cada passagem contém em particular, prestando obediência aos mandamentos, temendo as ameaças e abraçando as promessas de Deus para esta vida e para a futura; porém, os principais atos de fé salvadora são: aceitar e receber Cristo e descansar só nele para a justificação, santificação e vida eterna, isto em virtude do pacto da graça.
  3. Esta fé é de diferentes graus: é fraca ou forte, pode ser muitas vezes e de muitos modos assaltada e enfraquecida, mas sempre alcança a vitória, desenvolvendo-se em muitos até à plena segurança em Cristo, que é tanto o Autor como Consumador da fé.

CAPÍTULO 15: DO ARREPENDIMENTO PARA A VIDA

  1. O arrependimento para a vida é uma graça evangélica, doutrina esta que deve ser pregada por todo ministro do Evangelho, tanto quanto a fé de Cristo.
  2. Movido pelo reconhecimento e sentimento, não só do perigo, mas da impureza e odiosidade de seus pecados, como contrários à santa natureza e justa lei de Deus, e se conscientizando da misericórdia divina manifesta em Cristo aos que são penitentes, o pecador, pelo arrependimento, de tal maneira sente e aborrece os seus pecados que, deixando-os, se volta para Deus, tencionando e procurando andar com ele em todos os caminhos de seus mandamentos.
  3. Ainda que não devamos confiar no arrependimento como sendo de algum modo uma satisfação pelo pecado, ou em qualquer sentido a causa do perdão dele, o que é ato da livre graça de Deus em Cristo, contudo ele é de tal modo necessário aos pecadores, que sem ele ninguém poderá esperar o perdão.
  4. Assim como não há pecado tão pequeno que não mereça a condenação, também não há pecado tão grande que possa trazer a condenação sobre os que se arrependem verdadeiramente.
  5. Os homens não devem se contentar com um arrependimento geral, mas é dever de todos procurar arrepender-se particularmente de cada um dos seus pecados.
  6. Assim como cada homem é obrigado a fazer a Deus confissão particular de seus pecados pedindo-lhe o perdão deles, e abandonando-os, achará misericórdia; também aquele que escandaliza o seu irmão ou a Igreja de Cristo deve estar pronto, por meio de uma confissão particular ou pública de seu pecado e do pesar que por ele sente, a declarar o seu arrependimento aos que estão ofendidos; isto feito, estes devem reconciliar-se com o penitente e recebê-lo em amor.

CAPÍTULO 16: DAS BOAS OBRAS

  1. As boas obras são somente aquelas que Deus ordena em sua santa Palavra, não as que, sem a autoridade dela, são aconselhadas pelos homens movidos por um zelo cego ou sob qualquer outro pretexto de boa intenção.
  2. Estas boas obras feitas em obediência aos mandamentos de Deus são o fruto e as evidências de uma fé viva e verdadeira; por elas os crentes manifestam a sua gratidão, robustecem a sua confiança, edificam os seus irmãos, adornam a profissão do Evangelho, fecham a boca aos adversários e glorificam a Deus, de quem são feitura, criados em Jesus Cristo para isso mesmo, a fim de que, tendo o seu fruto em santidade, tenham no final a vida eterna.
  3. A capacidade de fazer boas obras de modo algum provém dos crentes, mas inteiramente do Espírito Santo para operar neles tanto o querer como o realizar segundo o seu beneplácito; contudo, não devem, por isso, tornar-se negligentes, como se não fossem obrigados a cumprir qualquer dever senão quando movidos especialmente pelo Espírito; pelo contrário, devem esforçar-se por dinamizar a graça de Deus que neles está.
  4. Os que alcançam, pela sua obediência, a maior perfeição possível nesta vida estão longe de exceder as suas obrigações e fazer mais do que Deus requer, e são deficientes em muitos dos deveres obrigados a fazer.
  5. Não podemos, pelas nossas melhores obras, merecer das mãos de Deus perdão de pecado ou vida eterna, em razão da grande desproporção que há entre elas e a glória por vir, e da infinita distância que existe entre nós e Deus, a quem não podemos ser úteis por meio delas, nem saldar a dívida dos nossos pecados anteriores; e porque, como boas, procedem de seu Espírito; e, como nossas, são impuras e misturadas com tanta fraqueza e imperfeição, que não podemos suportar a severidade do juízo de Deus; assim, depois que tivermos feito tudo quanto podemos, temos cumprido tão somente o nosso dever, e somos servos inúteis.
  6. Não obstante, as pessoas dos crentes sendo aceitas por meio de Cristo, suas obras são também aceitas por ele, não como se fossem, nesta vida, inteiramente perfeitas e irreprováveis à vista de Deus, mas porque Deus, considerando-as em seu Filho, é servido aceitar e recompensar aquilo que é sincero, embora seja acompanhado de muitas fraquezas e imperfeições.
  7. As obras feitas pelos não regenerados, embora sejam, quanto à matéria, coisas que Deus ordena, e úteis tanto a eles mesmos quanto aos outros, contudo, porque procedem de corações não purificados pela fé, não são feitas devidamente segundo a Palavra; nem para um fim justo a glória é de Deus; são, portanto, pecaminosas e não podem agradar a Deus, nem preparar o homem para receber a graça de Deus; não obstante, o negligenciá-las é ainda mais pecaminoso e ofensivo a Deus.

CAPÍTULO 17: DA PERSEVERANÇA DOS SANTOS

  1. Os que Deus aceitou em seu Amado, eficazmente chamados e santificados pelo seu Espírito, não podem cair do estado de graça, nem total nem finalmente; mas com toda a certeza hão de perseverar nesse estado até ao fim, e estarão eternamente salvos.
  2. Esta perseverança dos santos depende, não do próprio livre-arbítrio deles, mas da imutabilidade do decreto da eleição, procedente do livre e imutável amor de Deus Pai, da eficácia do mérito e intercessão de Jesus Cristo, da permanência do Espírito e da semente de Deus neles, da natureza do pacto da graça e de tudo o que gera também a sua exatidão e infalibilidade.
  3. Eles, porém, pelas tentações de Satanás e do mundo, pelo predomínio da corrupção restante deles e pela negligência dos meios de sua preservação, podem cair em graves pecados e, por algum tempo, continuar neles; incorrem, assim, no desagrado de Deus, entristecem o seu Santo Espírito e, em alguma medida, vêm a ser privados de suas graças e confortos; têm seus corações endurecidos e suas consciências feridas; prejudicam e escandalizam os outros e atraem sobre si juízos temporais.

CAPÍTULO 18: DA CERTEZA DA GRAÇA E DA SALVAÇÃO

  1. Ainda que os hipócritas e os demais não regenerados possam iludir-se em vão com falsas esperanças e com a carnal presunção de se acharem no favor de Deus e em estado de salvação, esperança essa que perecerá, contudo os que verdadeiramente crêem no Senhor Jesus e o amam com sinceridade, procurando andar diante dele em toda a boa consciência, podem nesta vida certificar-se de se acharem em estado de graça, e podem regozijar-se na esperança da glória de Deus, esperança que jamais os envergonhará.
  2. Esta certeza não é uma simples persuasão conjectural e provável, fundada numa esperança falha, mas uma segurança infalível da fé, fundada na divina verdade das promessas de salvação, na evidência interna daquelas graças nas quais essas promessas são feitas, no testemunho do Espírito de adoção que testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus, sendo esse Espírito o penhor de nossa herança, e por meio de quem somos selados para o dia da redenção.
  3. Esta segurança infalível não pertence de tal modo à essência da fé, que um verdadeiro crente, antes de possuí-la não tenha de esperar muito e de lutar com muitas dificuldades; contudo, sendo pelo Espírito capacitado a conhecer as coisas que lhe são livremente dadas por Deus, ele pode obtê-la sem revelação extraordinária, no devido uso dos meios comuns. É, pois, dever de cada um ser diligente e tornar certas sua vocação e eleição, a fim de que, por esse modo, seja o seu coração, no Espírito Santo, dilatado em paz e em deleite, em amor e em gratidão para com Deus, no vigor e na alegria, nos deveres da obediência que são os frutos próprios desta segurança. Longe esteja isto de predispor os homens à negligência.
  4. Os verdadeiros crentes podem ter, de diversas maneiras, a segurança de sua salvação abalada, diminuída e tornada intermitente, negligenciando a conservação dela, caindo em algum pecado especial que fira a consciência e entristeça o Espírito Santo, cedendo a fortes e repentinas tentações, retirando Deus a luz de seu rosto e permitindo que andem em trevas e não tenham luz mesmo os que o temem; contudo, eles nunca ficam inteiramente privados daquela semente de Deus e da vida da fé, daquele amor a Cristo e aos irmãos, daquela sinceridade de coração e consciência do dever; daí, a certeza da salvação poderá, no tempo próprio, ser restaurada pela operação do Espírito, e por meio dessas bênçãos são sustentados para não caírem em total desespero.

CAPÍTULO 19: DA LEI DE DEUS

  1. Deus outorgou a Adão uma lei, como um pacto de obras. Por este pacto Deus o obrigou, bem como a toda a sua posteridade, a uma obediência pessoal, plena, exata e perpétua; prometeu-lhe a vida sob a condição de ele cumprir a lei, e o ameaçou com a morte caso a violasse, e dotou-o com poder e capacidade para guardá-la.
  2. Essa lei, depois da queda do homem, continua sendo uma perfeita regra de justiça. Como tal, foi por Deus entregue no monte Sinai em dez mandamentos e escrita em duas tábuas de pedra; os primeiros quatro mandamentos contêm os nossos deveres para com Deus; e os outros seis, os nossos deveres para com o homem.
  3. Além dessa lei, geralmente chamada lei moral, quis Deus dar ao seu povo Israel, considerado uma igreja sob sua tutela, leis cerimoniais que contêm diversas ordenanças típicas. Essas leis, que em parte se referem ao culto e prefiguram Cristo, suas graças, seus atos, seus sofrimentos e seus benefícios, e em parte representam várias instruções de deveres morais, estão todas abolidas sob o Novo Testamento.
  4. A esse mesmo povo, considerado um corpo político, Deus concedeu diversas leis judiciais que deixaram de vigorar quando o país daquele povo também deixou de existir, e que agora não obrigam a ninguém além do que exige a sua eqüidade geral.
  5. A lei moral obriga a todos a prestar-lhe obediência para sempre, tanto as pessoas justificadas quanto as demais, e isto não somente por causa da matéria nela contida, mas também pelo respeito à autoridade de Deus, o Criador, que a deu. Cristo, no Evangelho, de modo algum desfaz esta obrigação, antes a reveste de maior vigor.
  6. Embora os verdadeiros crentes não estejam sob a lei como um pacto de obras, para serem por ela justificados ou condenados, contudo ela serve de grande proveito, tanto a eles, como aos demais. Como regra de vida, ela lhes informa da vontade de Deus e do dever que eles têm; os dirige e os obriga a andar conforme essa vontade; descobre-lhes também as pecaminosas poluções de sua natureza, de seus corações e de suas vidas, de maneira que, examinando-se por meio dela, alcançam mais profunda convicção de pecado, maior
humilhação por causa dele e maior aversão a ele, ao mesmo tempo lhes dá mais clara visão da necessidade que têm de Cristo e da perfeita obediência a ele devida. Ela é também de utilidade aos regenerados a fim de conter a sua corrupção, pois proíbe o pecado; as suas ameaças servem para mostrar o que merecem os seu pecados; e quais as aflições que por causa dele devem esperar nesta vida, ainda que estejam livres da maldição ameaçada na lei. Do mesmo modo, as suas promessas mostram que Deus aprova a obediência deles, e que bênçãos podem esperar dessa obediência, ainda que essas bênçãos não lhes sejam devidas pela lei considerada pacto de obras, assim como fazer um homem o bem ou evitar ele o mal, só porque a lei estimula aquilo e proíbe isto, não prova estar ele sob a lei e não sob a graça.
  1. Os supracitados usos da lei não são contrários à graça do Evangelho, mas suavemente se harmonizam com ela, pois o Espírito de Cristo submete e capacita a vontade do homem a fazer livre e alegremente aquilo que a vontade de Deus, revelada na lei, exige que se faça.

CAPÍTULO 20: DA LIBERDADE CRISTÃ E DA LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA
  1. A liberdade que Cristo, sob o Evangelho, comprou para os crentes consiste em serem eles libertos da culpa do pecado, da ira condenatória de Deus, da maldição da lei moral; em serem libertos deste presente mundo ímpio, do cativeiro de Satanás, do domínio do pecado, da nocividade das aflições, do aguilhão da morte, da vitória da sepultura e da condenação eterna; como também em terem eles livre acesso a Deus, em lhe prestarem obediência, não movidos de um medo servil, mas de amor filial e de espírito voluntário. Todos esses privilégios eram comuns também aos crentes sob a lei; mas, sob o Novo Testamento, a liberdade dos cristãos está mais ampliada, achando-se eles livres do jugo da lei cerimonial a que estava sujeita a igreja judaica, e tendo mais outras ousadias no acesso ao trono da graça e mais plenas comunicações do gracioso Espírito de Deus, do que normalmente alcançavam os crentes sob a lei.
  2. Só Deus é Senhor da consciência, e a deixou livre das doutrinas e mandamentos humanos que, em qualquer coisa, sejam contrários à sua Palavra, ou que, em matéria de fé ou de culto, estejam fora dela. Assim, crer em tais doutrinas ou obedecer a tais mandamentos, por motivo de consciência, é trair a verdadeira liberdade de consciência; e requerer para eles fé implícita e obediência cega e absoluta, é destruir a liberdade de consciência e a própria razão.
  3. Aqueles que, sob o pretexto de liberdade cristã, cometem qualquer pecado ou toleram qualquer concupiscência, destroem, por isso mesmo, o fim da liberdade cristã; pelo contrário, sendo livres das mãos de nossos inimigos, sem medo sirvamos ao Senhor em santidade e justiça, diante dele, todos os dias de nossa vida.
  4. Visto que os poderes que Deus ordenou, e a liberdade que Cristo comprou não foram por Deus designados para destruir, mas para que mutuamente nos apoiemos e preservemos uns aos outros, resistem à ordenança de Deus os que, sob pretexto de liberdade cristã, se opõem a qualquer poder legítimo, civil ou religioso, ou ao exercício dele. Se publicarem opiniões ou mantiverem práticas contrárias à luz da natureza ou aos reconhecidos princípios do cristianismo concernentes à fé, ao culto ou ao procedimento; se publicarem opiniões, ou mantiverem práticas contrárias ao poder da piedade, ou que, por sua própria natureza ou pelo modo de publicá-las e mantê-las, são destrutivas da paz externa da Igreja e da ordem que Cristo estabeleceu nela, podem legalmente ser processados e visitados com as censuras da Igreja.

CAPÍTULO 21: DO CULTO RELIGIOSO E DO DOMINGO
  1. A luz da natureza mostra que há um Deus, que tem domínio e soberania sobre tudo, que é bom e faz o bem a todos, e que, portanto, deve ser temido, amado, louvado, invocado, crido e servido de todo o coração, de toda a alma e de toda a força; mas, o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo, e é tão limitado pela sua própria vontade
revelada que ele não pode ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás, nem sob qualquer representação visível, ou de qualquer outro modo não prescrito nas Sagradas Escrituras.
  1. O culto religioso deve ser prestado a Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo e só a ele; não deve ser prestado nem aos anjos nem aos santos, nem a qualquer outra criatura; nem deve depois da queda ser prestado a Deus pela mediação de qualquer outro, senão unicamente a de Cristo.
  2. A oração, com ação de graças, sendo uma parte especial do culto religioso, é por Deus exigida de todos os homens; e, para que seja aceita, deve ser feita em nome do Filho, pelo auxílio de seu Espírito, segundo a sua vontade, e isto com inteligência, reverência, humildade, fervor, fé, amor e perseverança. Se for em voz alta, deve ser proferida em uma língua conhecida dos presentes.
  3. A oração deve ser feita por coisas lícitas e por todas as classes de homens que existem atualmente ou que existirão no futuro; mas não deve ser feita em favor dos mortos, nem em favor daqueles que se saiba terem cometido o pecado para a morte.
  4. A leitura das Escrituras, com santo temor, a sã pregação da Palavra e a consciente atenção a ela, em obediência a Deus, com entendimento, fé e reverência, o cântico de salmos, com gratidão no coração bem como a devida administração e digna recepção dos sacramentos instituídos por Cristo são partes do culto comum oferecido a Deus, além dos juramentos religiosos, votos, jejuns solenes e ações de graça em ocasiões especiais, os quais, em seus vários tempos e ocasiões próprias, devem ser usados de um modo santo e religioso.
  5. Agora, sob o Evangelho, nem a oração, nem qualquer outro ato do culto religioso é restrito a certo lugar, nem se torna mais aceitável por causa do lugar em que se ofereça ou para o qual se dirija; mas Deus deve ser adorado em todo lugar, em Espírito e em verdade, tanto em família, diariamente, e em secreto, estando cada um sozinho, como também, mais solenemente, em assembléias públicas, que não devem ser descuidadas, nem voluntariamente negligenciadas ou desprezadas, sempre que Deus, pela sua providência, proporcione ocasião.
  6. Como é lei da natureza que, em geral, uma devida proporção de tempo seja destinada ao culto de Deus, assim também, em sua Palavra, por um preceito positivo, moral e perpétuo, preceito que obriga a todos os homens, em todas as épocas, Deus designou particularmente um dia em sete para ser um sábado (= descanso) santificado por ele; desde o princípio do mundo, até à ressurreição de Cristo, esse dia foi o último dia da semana; e desde a ressurreição de Cristo, foi mudado para o primeiro dia da semana, dia que nas Escrituras é chamado dia do Senhor (= domingo), e que há de continuar até o fim do mundo como o sábado cristão.
  7. Este sábado é santificado ao Senhor quando os homens, tendo devidamente preparado os seus corações e de antemão ordenado os seus negócios comuns, não só guardam, durante todo o dia um santo descanso das suas obras, palavras e pensamentos a respeito de seus empregos seculares e de suas recreações, mas também ocupam todo o tempo em exercícios públicos e particulares de culto e nos deveres de necessidade e de misericórdia.

CAPÍTULO 22: DOS JURAMENTOS LEGAIS E DOS VOTOS

  1. O juramento legal é uma parte do culto religioso em que o crente, em ocasiões próprias e com toda a solenidade, chama a Deus por testemunha do que assevera ou promete; pelo juramento ele invoca a Deus a fim de ser julgado por ele, segundo a verdade ou a falsidade do que jura.
  2. O único nome pelo qual se deve jurar é o nome de Deus, nome que se pronunciará com todo o santo temor e reverência; jurar, pois, falsa ou temerariamente por este glorioso e tremendo nome, ou jurar por qualquer outra coisa é pecaminoso e abominável. Contudo, como em assuntos de gravidade e importância, o juramento é autorizado pela Palavra de
Deus, tanto sob o Novo Testamento quanto sob o Antigo Testamento, o juramento, sendo exigido pela autoridade legal, deve ser prestado com reverência a tais assuntos.
  1. Quem vai prestar um juramento deve considerar refletidamente a gravidade de um ato tão solene, e nada afirmar senão do que esteja plenamente persuadido ser a verdade. Ninguém deve obrigar-se por juramento a qualquer coisa que seja ou que acredite ser boa e justa e por aquilo que pode e está resolvido a cumprir. É, porém, pecado recusar prestar juramento concernente a qualquer coisa justa e boa, sendo exigido pela autoridade legal.
  2. O juramento deve ser prestado conforme o sentido comum e claro das palavras, sem equívoco ou reserva mental. Não pode obrigar a pecar; mas, sendo prestado com referência a qualquer coisa não pecaminosa, obriga ao cumprimento, mesmo com prejuízo de quem jura. Não deve ser violado, ainda que feito a hereges ou a infiéis.
  3. O voto é da mesma natureza que o juramento promissório; deve ser feito com o mesmo cuidado religioso e cumprido com igual fidelidade.
  4. O voto não deve ser feito a criatura alguma, mas só a Deus; para que seja aceitável, deve ser feito voluntariamente, com fé e consciência de dever, em reconhecimento de misericórdias recebidas ou para obter o que desejamos. Pelo voto obrigamo-nos mais restritamente aos deveres necessários ou a outras coisas, até onde ou quando elas conduzirem a esses deveres.
  5. Ninguém deve prometer fazer coisa alguma que seja proibida na Palavra de Deus, ou que impeça o cumprimento de qualquer dever nela ordenado, nem o que não está em seu poder cumprir e para cuja execução não tenha promessa ou competência da parte de Deus; por isso, os votos monásticos, que os papistas fazem, do celibato perpétuo, da pobreza voluntária e da obediência regular, em vez de serem graus de maior perfeição, não passam de laços supersticiosos e iníquos com os quais nenhum cristão deve embaraçar-se.

CAPÍTULO 23: DO MAGISTRADO CIVIL

  1. Deus, o Senhor supremo e Rei de todo o mundo, para a sua própria glória e para o bem público, constituiu sobre o povo magistrados civis, a ele sujeitos, e para este fim os armou com o poder da espada para defesa e incentivo dos bons e castigo dos malfeitores.
  2. Aos cristãos é lícito aceitar e exercer o ofício de magistrado, sendo para ele chamados; e em sua administração, como devem especialmente manter a piedade, a justiça e a paz, segundo as leis salutares de cada estado, eles, sob a dispensação do Novo Testamento, para esse fim, podem licitamente fazer guerra, havendo ocasiões justas e necessárias.
  3. Os magistrados civis não podem tomar sobre si a administração da Palavra e dos Sacramentos, ou o poder das chaves do Reino do Céu, nem de modo algum interferir em matéria de fé; contudo, como pais solícitos, têm o dever de proteger a igreja de nosso comum Senhor, sem dar preferência a qualquer denominação cristã acima das outras, de tal maneira que todos os eclesiásticos, sem distinção, gozem plena, livre e indisputada liberdade de cumprir todas as partes das suas sagradas funções, sem violência ou perigo. Como Jesus Cristo constituiu em sua igreja um governo regular e uma disciplina, nenhuma lei de qualquer estado deve interferir, impedir, ou embaraçar o seu devido exercício entre os membros voluntários de qualquer denominação cristã, segundo a profissão e crença de cada uma. E é dever dos magistrados civis proteger a pessoa e o bom nome de todos os que lhe são relacionados, de modo que a ninguém seja permitido, sob pretexto de religião ou de incredulidade, ofender, perseguir, maltratar ou injuriar a quem quer que seja; e bem assim tomar providências para que todas as assembléias religiosas e eclesiásticas possam reunir-se sem serem perturbadas ou molestadas.
  4. É dever do povo orar pelos magistrados, honrá-los, pagar-lhes tributos e outros impostos, obedecer às suas ordens legais e sujeitar-se à sua autoridade, e tudo isto por dever de consciência. Incredulidade ou indiferença em questão de religião não invalida a justa autoridade do magistrado, nem isenta o povo da obediência que lhe deve, obediência essa da
qual não estão excluídos os eclesiásticos. O papa não tem nenhum poder ou jurisdição sobre os magistrados dentro dos domínios deles, ou sobre qualquer um de seu povo; e muito menos tem o poder de privá-los de seus domínios ou de suas vidas por julgá-los hereges ou sob qualquer outro pretexto.

CAPÍTULO 24: DO MATRIMÔNIO E DO DIVÓRCIO

  1. O casamento deve ser entre um homem e uma mulher; ao homem não é lícito ter mais de uma esposa, nem à mulher mais de um marido ao mesmo tempo.
  2. O matrimônio foi ordenado para o auxílio mútuo de marido e esposa, para a propagação da raça humana por uma sucessão legítima, e da Igreja por uma semente santa, e para evitar- se a impureza.
  3. A todos os que são capazes de dar um consentimento ajuizado, é lícito casar, mas é dever dos cristãos casar somente no Senhor; portanto, os que professam a verdadeira religião reformada não devem casar-se com infiéis, papistas ou outros idólatras; nem devem os piedosos prender-se a jugo desigual por meio do casamento com os que são notoriamente ímpios em suas vidas, ou que mantêm heresias perniciosas.
  4. Não devem casar-se as pessoas entre as quais existem os graus de consangüinidade ou afinidade proibidos na Palavra de Deus; tais casamentos incestuosos jamais poderão tornar-se lícitos pelas leis humanas ou pelo consentimento das partes, de modo a poderem viver juntas como marido e esposa.
  5. O adultério ou a fornicação cometidos depois de um contrato, sendo descoberto antes do casamento, dá à parte inocente justo motivo de dissolver o contrato; no caso do adultério depois do casamento, à parte inocente é lícito propor divórcio, e, depois de obter o divórcio, casar com outrem, como se a parte infiel fosse morta.
  6. Posto que a corrupção do homem seja tal que o incline a procurar argumentos a fim de indevidamente separar aqueles que Deus uniu em matrimônio, contudo nada, senão o adultério, é causa suficiente para dissolver os laços do matrimônio, a não ser que haja deserção tão obstinada que não possa ser remediada nem pela Igreja nem pelo magistrado civil. Para a dissolução do matrimônio é necessário haver um processo público e regular, não se devendo deixar ao arbítrio e discrição das partes o decidir em seu próprio caso.

CAPÍTULO 25: DA IGREJA

  1. A Igreja Católica ou Universal, que é invisível, consiste do número total dos eleitos que já foram, dos que agora são e dos que ainda serão reunidos em um só corpo, sob Cristo, seu Cabeça; ela é a esposa, o corpo, a plenitude daquele que enche tudo em todas as coisas.
  2. A Igreja visível, que também é católica ou universal, sob o Evangelho (não sendo restrita a uma nação, como antes sob a Lei), consiste de todos aqueles que, pelo mundo inteiro, professam a verdadeira religião, juntamente com seus Filhos; é o Reino do Senhor Jesus Cristo, a casa e família de Deus, fora da qual não há possibilidade de salvação.
  3. À Igreja Católica visível Cristo deu o ministério, os oráculos e as ordenanças de Deus, para a congregação e o aperfeiçoamento dos santos, nesta vida, até ao fim do mundo, e pela sua própria presença e pelo seu Espírito os torna eficientes para esse fim, segundo a sua promessa.
  4. Esta Igreja Católica tem sido ora mais, ora menos visível. As igrejas particulares, que são membros dela, são mais puras ou menos puras conforme nelas é, com mais ou menos pureza, ensinado e abraçado o Evangelho, administradas as ordenanças e celebrado o culto público.
  5. As igrejas mais puras debaixo do céu estão sujeitas à mistura e ao erro; algumas têm-se degenerado a ponto de não mais serem igrejas de Cristo, e, sim, sinagogas de Satanás; não obstante, haverá sempre sobre a terra uma igreja para adorar a Deus segundo a vontade dele.
  6. Não há outro Cabeça da Igreja senão o Senhor Jesus Cristo. Em sentido algum pode ser o papa de Roma o seu cabeça, senão que ele é aquele anticristo, aquele homem do pecado e filho da perdição que se exalta na Igreja contra Cristo e contra tudo o que se chama Deus.

CAPÍTULO 26: DA COMUNHÃO DOS SANTOS

  1. Todos os santos que, pelo Espírito de Deus e pela fé, estão unidos a Jesus Cristo, seu Cabeça, têm comunhão com ele nas suas graças, nos seus sofrimentos, na sua morte, na sua ressurreição e na sua glória, e, estando unidos uns ao outros em amor, participam dos mesmos dons e graças, e estão obrigados ao cumprimento dos deveres públicos e particulares que contribuem para o seu mútuo proveito, tanto no homem interior como no exterior.
  2. Os santos são, pela profissão de fé, obrigados a manter uma santa sociedade e comunhão no culto de Deus e na realização de outros serviços espirituais que contribuem para a sua mútua edificação, bem como a socorrer uns aos outros em coisas materiais, segundo as suas várias habilidades e necessidades; esta comunhão, conforme Deus oferecer ocasião, deve estender-se a todos aqueles que, em todo lugar, invocam o nome do Senhor Jesus.
  3. Esta comunhão que os santos têm com Cristo não os torna de modo algum participantes da substância de sua divindade, nem iguais a Cristo em qualquer sentido; afirmar uma ou outra coisa é ímpio e blasfemo. A comunhão que os santos mantêm entre si não destrói nem de modo algum enfraquece o título ou domínio que cada homem tenha sobre os seus bens e posses.

CAPÍTULO 27: DOS SACRAMENTOS

  1. Os sacramentos são santos sinais e selos do pacto da graça, imediatamente instituídos por Deus para representar Cristo e seus benefícios, e confirmar o nosso interesse nele, bem como fazer uma diferença visível entre os que pertencem à Igreja e o restante do mundo, e solenemente comprometê-los no serviço de Deus em Cristo, segundo a sua Palavra.
  2. Há em cada sacramento uma relação espiritual ou uma união sacramental entre o sinal e a coisa significada; por isso, os nomes e efeitos de um são atribuídos ao outro.
  3. A graça revelada nos sacramentos, ou por meio deles, quando devidamente usados, não é conferida por qualquer poder neles existente; nem a eficácia de uma sacramento depende da piedade ou da intenção de quem o administra, mas da obra do Espírito e da palavra da instituição, a qual, juntamente com o preceito que autoriza o seu uso, contém uma promessa de benefício aos que dignamente o recebem.
  4. Há apenas dois sacramentos ordenados por Cristo, nosso Senhor, no Evangelho: O Batismo e a Ceia do Senhor, nenhum dos quais pode ser administrado senão por um ministro da Palavra, legalmente ordenado.
  5. Os sacramentos do Antigo Testamento, quanto às coisas espirituais por eles significadas e representadas, eram, em substância, os mesmos que os do Novo Testamento.

CAPÍTULO 28: DO BATISMO

  1. O batismo é um sacramento do Novo Testamento, instituído por Jesus Cristo, não só para solenemente admitir na Igreja visível a pessoa batizada mas também para servir-lhe de sinal e selo do pacto da graça, de sua união com Cristo, da sua regeneração, da remissão dos pecados e também da sua consagração a Deus, por meio de Jesus Cristo, a fim de andar em novidade de vida. Este sacramento, segundo a ordenação do próprio Cristo, há de continuar em sua Igreja até ao final do mundo.
  2. O elemento exterior, usado neste sacramento é a água, com a qual a pessoa é batizada em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, por um ministro do Evangelho, legalmente ordenado.
  3. Não é necessário imergir o candidato na água, mas o batismo é corretamente administrado derramando-se ou aspergindo-se água sobre a pessoa.
  4. Não só os que de fato professam a sua fé em Cristo e obediência a ele, mas também os filhos de pais crentes (ainda que só um deles o seja) devem ser batizados.
  5. Posto que seja grande pecado menosprezar ou negligenciar esta ordenança, contudo a graça e a salvação não se acham tão inseparavelmente ligadas a ela, que sem ela uma pessoa não possa ser regenerada e salva, ou que todos os que são batizados sejam indubitavelmente regenerados.
  6. A eficácia do batismo não se limita ao momento em que é administrado; contudo, pelo devido uso desta ordenança, a graça prometida é não somente oferecida, mas realmente manifestada e conferida pelo Espírito Santo àqueles a quem ela pertence (adultos ou crianças), segundo o conselho da própria vontade de Deus em seu tempo determinado.
  7. O sacramento do batismo deve ser administrado uma só vez a uma mesma pessoa.

CAPÍTULO 29: DA CEIA DO SENHOR

  1. Na noite em que foi traído, nosso Senhor Jesus instituiu o sacramento de seu corpo e de seu sangue, chamado Ceia do Senhor, para ser observado em sua igreja até o fim do mundo, para ser uma lembrança perpétua do sacrifício que em sua morte ele fez de si mesmo; para selar, aos verdadeiros crentes, todos os benefícios provenientes desse sacrifício para o seu nutrimento espiritual e crescimento nele, e seu compromisso de cumprir todos os seus deveres para com ele, e ser um vínculo e penhor de sua comunhão com ele e uns com os outros, como membros de seu corpo místico.
  2. Neste sacramento, Cristo não é oferecido a seu Pai, nem de modo algum se faz um sacrifício real para remissão de pecados dos vivos ou dos mortos, mas apenas se faz uma comemoração daquela única oferenda que ele fez de si mesmo na cruz, uma vez por todas, e, por meio dela, uma oblação espiritual de todo o louvor possível a Deus; assim, o chamado sacrifício papal da missa, como é chamado, é sobremodo ofensivo ao único sacrifício de Cristo, o qual é a única propiciação por todos os pecados dos eleitos.
  3. Nesta ordenança, o Senhor Jesus constituiu os seus ministros para declarar ao povo a sua palavra de instituição, orar, abençoar os elementos, pão e vinho, e assim separá-los do uso comum para um uso sagrado; para tomar e partir o pão, tomar o cálice, dele participando também, e dar ambos os elementos aos comungantes, e tão somente aos que se acharem presentes na congregação.
  4. A missa particular ou recepção do sacramento por um só sacerdote ou por uma só pessoa, bem como a negação do cálice ao povo, a adoração dos elementos, a elevação ou procissão para serem adorados, e a sua conservação para qualquer pretenso uso religioso, são coisas contrárias à natureza deste sacramento e à instituição de Cristo.
  5. Os elementos exteriores deste sacramento, devidamente consagrados ao uso ordenado por Cristo, têm tal relação com o Cristo crucificado, que, verdadeiramente, embora só num sentido sacramental, são às vezes chamados pelos nomes das coisas que representam, a saber, o corpo e o sangue de Cristo; se bem que, em substância e natureza, conservam-se verdadeira e somente pão e vinho, como eram antes.
  6. A doutrina geralmente chamada transubstanciação, que ensina a mudança da substância do pão e do vinho na substância do corpo e do sangue de Cristo, mediante a consagração por um sacerdote ou por qualquer outro meio é algo repugnante não só à vista das Escrituras, mas também ao senso comum e à razão; destrói a natureza do sacramento e tem sido a causa de muitas superstições e até de grosseira idolatria.
  7. Os que comungam dignamente, participando exteriormente dos elementos visíveis deste sacramento, também recebem intimamente, pela fé, o Cristo crucificado, e todos os benefícios de sua morte, e deles se alimentam, não carnal ou corporalmente, mas real, verdadeira e espiritualmente; não estando o corpo e o sangue de Cristo, corporal ou carnalmente nos
elementos, pão e vinho, nem com eles ou sob eles, mas estão, espiritual e realmente, presentes à fé dos crentes nessa ordenança, como estão os próprios elementos em relação a seus sentidos corporais.
  1. Ainda que os ignorantes e os ímpios recebam os elementos visíveis deste sacramento, todavia não recebem a coisa por eles significada, mas pela sua indigna participação tornam-se réus do corpo e do sangue do Senhor, para sua própria condenação. Portanto, todos estes, como são indignos de gozar comunhão com o Senhor, são também indignos da sua mesa e não podem, sem grande pecado contra Cristo, participar destes santos mistérios nem a eles ser admitidos, enquanto permanecerem nesse estado.

CAPÍTULO 30: DAS CENSURAS ECLESIÁSTICAS

  1. O Senhor Jesus, como Rei e Cabeça da sua Igreja, nela instituiu um governo nas mãos dos oficiais dela; governo distinto da magistratura civil.
  2. A esses oficiais estão entregues as chaves do Reino do Céu. Em virtude disso, eles têm, respectivamente, o poder de reter ou de cancelar pecados; de fechar este reino a impenitentes, tanto pela Palavra quanto pelas censuras; de abri-lo aos pecadores penitentes, pelo ministério do Evangelho e pela absolvição das censuras, quando as circunstâncias o exigirem.
  3. As censuras eclesiásticas são necessárias para chamar e ganhar (para Cristo) os irmãos transgressores, a fim de impedir que outros pratiquem ofensas semelhantes, para lançar fora o velho fermento que poderia corromper a massa inteira, para vindicar a honra de Cristo e a santa profissão do Evangelho, e para evitar a ira de Deus, a qual, com justiça, poderia cair sobre a Igreja, se ela permitisse que o pacto divino e seus elos fossem profanados por ofensores notórios e obstinados.
  4. Para a melhor obtenção destes fins, os oficiais da igreja devem proceder dentro da seguinte ordem, segundo a natureza do crime e demérito da pessoa: repreensão, suspensão do sacramento da Ceia do Senhor por algum tempo e exclusão da Igreja.

CAPÍTULO 31: DOS SÍNODOS E CONCÍLIOS

  1. Para melhor governo e maior edificação da Igreja, deverá haver as assembléias chamadas sínodos ou concílios. Em virtude do seu cargo e do poder que Cristo lhes deu para edificação e não para destruição, cabe aos pastores e aos outros presbíteros das igrejas particulares criar tais assembléias e reunir-se nelas quantas vezes julgarem útil para o bem da Igreja.
  2. Aos sínodos e concílios compete decidir, ministerialmente, controvérsias quanto à fé e aos casos de consciência; determinar regras e disposições para a melhor direção do culto público de Deus e governo de sua Igreja; receber queixas em casos de má administração e com autoridade decidi-las. Os seus decretos e decisões, sendo consoantes com a Palavra de Deus, devem ser recebidos com reverência e submissão, não só pela sintonia com a Palavra, mas também pela autoridade através da qual são feitos, visto que essa autoridade é uma ordenação de Deus, designada para isso em sua Palavra.
  3. Todos os sínodos e concílios, desde os tempos dos apóstolos, quer gerais quer particulares podem errar, e muitos têm errado; eles, portanto, não devem constituir regra de fé e prática, mas podem ser usados como auxílio em uma e outra coisa.
  4. Os sínodos e concílios não devem discutir coisa alguma que não seja eclesiástica; não devem imiscuir-se nos negócios civis do estado, a não ser por humilde petição em casos extraordinários, ou por conselhos, em satisfação de consciência, se o magistrado civil os convidar a fazê-lo.
CAPÍTULO 32: DO ESTADO DO HOMEM DEPOIS DA MORTE E DA RESSURREIÇÃO DOS MORTOS
  1. Os corpos dos homens, depois da morte, voltam ao pó e vêem a corrupção; mas as suas almas (que nem morrem nem dormem), possuindo uma substância imortal, voltam imediatamente para Deus, que as deu. As almas dos justos, sendo então aperfeiçoadas em santidade, são recebidas no mais alto dos céus onde contemplam a face de Deus em luz e glória, esperando a plena redenção de seus corpos; e as almas dos ímpios são lançadas no inferno, onde permanecerão em tormentos e em trevas espessas, reservadas para o juízo do grande dia. Além destes dois lugares destinados às almas separadas de seus respectivos corpos, as Escrituras não reconhecem nenhum outro lugar.
  2. No último dia, os que estiverem vivos não morrerão, mas serão transformados; todos os mortos serão ressuscitados com os seus próprios corpos, e não outros, embora com qualidades diferentes, e se unirão novamente às suas almas, para sempre.
  3. Os corpos dos injustos serão, pelo poder de Cristo, ressuscitados para a desonra; os corpos dos justos serão, pelo seu Espírito, ressuscitados para a honra e para serem semelhantes ao próprio corpo glorioso de Cristo.

CAPÍTULO 33: DO JUÍZO FINAL
  1. Deus já determinou um dia no qual, com justiça, há de julgar o mundo por meio de Jesus Cristo a quem, pelo Pai, foram dados o poder e o juízo. Nesse dia não somente serão julgados os anjos apóstatas, mas igualmente todas as pessoas que tiverem vivido sobre a terra comparecerão ante o tribunal de Cristo, a fim de darem conta de seus pensamentos, palavras e feitos, e receberem o galardão segundo o que tiverem feito, o bem ou o mal, por meio do corpo.
  2. O fim que Deus tem em vista determinando esse dia é manifestar a sua glória – a glória de sua misericórdia na eterna salvação dos eleitos, e a glória da sua justiça na condenação dos réprobos, que são perversos e desobedientes. Os justos irão, então, para a vida eterna, e receberão aquela plenitude de alegria e refrigério procedentes da presença do Senhor; mas os ímpios, que não conhecem a Deus nem obedecem ao Evangelho de Jesus Cristo, serão lançados nos eternos tormentos e punidos com a destruição eterna, longe da presença do Senhor e da glória de seu poder.
  3. Assim como Cristo, para afastar os homens do pecado e para maior consolação dos justos nas suas adversidades, quer que estejamos firmemente convencidos de que haverá um dia de juízo, assim também quer que esse dia não seja conhecido dos homens, a fim de que eles se despojem de toda a confiança carnal, sejam sempre vigilantes, não sabendo a que hora virá o Senhor, e estejam prontos a dizer: “Vem logo, Senhor Jesus!” Amém.

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