A Bíblia e sua organização .



Talvez você tenha crescido numa igreja em que as crianças participavam de competições para memorizar as localizações dos livros da Bíblia. Ou talvez não tenha certeza da ordem dos livros da Bíblia e sinta-se inibido quando lhe pedem para encontrar determinado versículo. Há alguma ordem ou lógica perceptível na maneira como os livros da Bíblia estão organizados? As divisões em capítulos e versículos foram acrescentadas? Essas são algumas das perguntas que responderemos nesta seção.

A DIVISÃO BÁSICA – OS TESTAMENTOS

Os primeiros três quartos da Bíblia foram escritos entre 1400 e 430 a.C. Incluem 39 livros na língua hebraica (Daniel e Esdras têm algumas pequenas porções em aramaico, uma língua semítica relacionada ao hebraico).5 Essa parte da Bíblia se chama Antigo Testamento. Os judeus não cristãos se referem a esses livros como sua Escritura ou TANAK (acróstico hebraico que significa Lei, Profetas e Escritos). Os judeus que rejeitam Jesus como Messias não reconhecem o Novo Testamento como inspirado.

A palavra testamento vem da palavra latina testamentum, que significa “aliança”. Aparentemente, a primeira pessoa a usar essa designação para descrever as divisões da Bíblia foi o antigo apologista cristão Tertuliano (160-225 d.C.).6

No entanto, a ideia de a Bíblia ser organizada em torno de duas alianças entre Deus e a humanidade não era nova para Tertuliano; ela se acha explícita em vários textos bíblicos. Jeremias 31:31-33, escrito entre 626 e 580 a.C., prediz a vinda do Messias com referência explícita a uma nova aliança. Eis aí vêm dias, diz o SENHOR, em que firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá.

Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; porquanto eles anularam a minha aliança, não obstante eu os haver desposado, diz o SENHOR. Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o SENHOR. Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo (ênfase minha). Ao instituir a Ceia do Senhor, na noite em que foi traído, Jesus se referiu ao cumprimento da profecia de Jeremias em sua morte, dizendo: “Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em favor de vós” (Lc 22:20, ênfase minha). Como Jesus ensinou que sua morte e ressurreição instituíram a nova aliança prometida por Deus, era algo bem natural os livros que davam testemunho dessa realidade e a explicavam serem referidos como o Novo Testamento. Por essa razão, os cristãos chamam de Novo Testamento os 27 livros inspirados que procederam dos apóstolos de Jesus e seus companheiros. Esses livros, que, posteriormente, vieram a formar um quarto da Bíblia, foram escritos entre 45 e 90 d.C.

NÚMERO E ORDEM DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO

O Antigo Testamento inclui 39 livros individuais. Esses livros variam em gênero literário, de narrativa histórica a poesia romântica. Como se mostram hoje em nossa Bíblia, eles estão organizados, até certo grau, tematicamente .


O ANTIGO TESTAMENTO

LEI 

LIVROS 

HISTÓRICOS

LIVROS DE SABEDORIA

LIVROS 

PROFÉTICOS



Gênesis 

Êxodo 

Levítico 

Números 

Deuteronômio

Josué 

Juízes 

Rute 

1-2 Samuel 1-2 Reis 

1-2 

Crônicas 

Esdras 

Neemias 

Ester

Jó 

Salmos 

Provérbios Eclesiastes Cântico 

dos 

Cânticos

PROFETAS MAIORES 

Isaías 

Jeremias 

Lamentações Ezequiel 

Daniel 

PROFETAS MENORES Oséias 

Malaquias (Os Doze)




Lei (Gênesis-Deuteronômio). Esses cinco livros são também chamados os Livros de Moisés ou o Pentateuco. (Pentateuco é uma palavra grega que significa “os cinco livros”.) Esses livros descrevem a origem do mundo, o começo da nação de Israel, a escolha de Deus referente a Israel, a entrega de suas leis a eles e sua condução até a fronteira da Terra Prometida.

Os Livros Históricos (Josué-Ester). Esses doze livros relatam os lidares de Deus com Israel, usando principalmente narrativa histórica.

Sabedoria e Cânticos (Jó-Cântico dos Cânticos). Esses cinco livros incluem provérbios, outra literatura de sabedoria antiga, e cânticos.

Os Profetas Maiores (Isaías-Daniel). Esses cinco livros são chamados os profetas maiores porque são mais extensos e não porque são mais importantes. Esses livros dão testemunho das muitas advertências, instruções e promessas de Deus enviadas a Israel por meio de seus porta vozes divinos, os profetas. Esses livros proféticos são mais curtos e, por isso, chamados os menores. 
Na antiga coleção judaica das Escrituras, eles eram contados como um só livro, chamado o Livro dos Doze (ou seja, os doze livros proféticos). Se alguém visitasse uma sinagoga (“templo”) judaica moderna e pegasse uma cópia das Escrituras hebraicas, ela teria exatamente o mesmo conteúdo do Antigo Testamento cristão, mas num arranjo diferente. Desde tempos antigos, os judeus organizaram seus escritos sagrados em três divisões principais: Lei (Torah), Profetas (Nebi’im) e Escritos (Kethubim). Os primeiros cinco livros da Bíblia hebraica são os mesmos do Antigo Testamento cristão – os livros de Moisés ou a Lei. Depois deles, a ordem muda notavelmente e, às vezes, diversos livros são colocados juntos. O último livro na Bíblia hebraica é 2 Crônicas.

Jesus se referiu, provavelmente, à ordem judaica tradicional das Escrituras hebraicas em Lucas 11:49- 51, em que ele diz:

Por isso, também disse a sabedoria de Deus: Enviar-lhes-ei profetas e apóstolos, e a alguns deles matarão e a outros perseguirão, para que desta geração se peçam contas do sangue dos profetas, derramado desde a fundação do mundo; desde o sangue de Abel até ao de Zacarias, que foi assassinado entre o altar e a casa de Deus. Sim, eu vos afirmo, contas serão pedidas a esta geração. 
De acordo com a ordem canônica judaica, a Bíblia hebraica começa com Gênesis e termina com 2 Crônicas. Assim, Abel é o primeiro mártir (Gn 4:8), e Zacarias, o último (2 Cr 24:20-22). Jesus também fez referência à divisão tríplice do cânon judaico quando falou “na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos” (Lc 24:44). (Às vezes, a seção dos Escritos era referida apenas com o livro usado mais proeminentemente dessa seção – os Salmos.)7 Quando a Bíblia hebraica começou a ser traduzida para o grego e o latim, os livros começaram a aparecer num arranjo mais temático, do qual derivamos nossa ordem da Bíblia em português. Apesar disso, não há completa uniformidade de ordem de livros entres os manuscritos gregos e latinos antigos ou em traduções posteriores. Conhecer essa variedade nos manuscritos deve impedir os intérpretes modernos de afirmarem aprovação divina ou significado para qualquer ordem de livros em nossa Bíblia atual.

NÚMERO E ORDEM DOS LIVROS DO NOVO TESTAMENTO

Durante seu ministério terreno, Jesus usou uma variedade de artifícios mnemônicos (por exemplo, rima, detalhes inesperados e histórias cativantes). Além disso, ele prometeu a seus discípulos que o Espírito Santo traria seu ensino à memória deles (Jo 14:26). Depois da ressurreição e da ascensão de Jesus, as histórias a seu respeito foram contadas por algum tempo, aparentemente como uma tradição oral que foi cuidadosamente preservada e transmitida por testemunhas oculares (Lc 1:1-4).

Com o passar do tempo, coleções autoritárias dessas histórias foram escritas e reconhecidas pela igreja como tendo sanção apostólica – os quatro evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e João. Lucas também escreveu um segundo volume, Atos, explicando como o Espírito Santo veio como predito e impeliu a igreja primitiva a dar testemunho de Jesus, o Messias.

À medida que os apóstolos iam fundando igrejas no antigo Império Romano, continuavam a instruir essas comunidades por meio de cartas. Desde os primeiros tempos de sua existência, essas cartas foram copiadas, veiculadas e reconhecidas como de autoridade permanente para a vida da igreja (Cl 4:16; 2 Pe 3:15-16). Treze das cartas do Novo Testamento foram escritas pelo apóstolo Paulo (Romanos-Filemom). 
As cartas de Paulo estão organizadas no Novo Testamento por ordem decrescente de tamanho; primeiro, a comunidades, depois, a indivíduos.8 Se mais de uma carta foi escrita para a mesma comunidade ou para o mesmo indivíduo, elas foram mantidas juntas. Parece que a carta anônima “Aos Hebreus” (i.e., para judeus cristãos) foi incluída depois das cartas de Paulo porque alguém na igreja primitiva acreditava que Paulo ou um companheiro de Paulo teria escrito a carta.

Outras cartas do Novo Testamento foram escritas por Tiago, Pedro, João e Judas. Talvez essas cartas estejam arranjadas numa ordem decrescente de proeminência dos autores. Em Gálatas 2:9, Paulo menciona “Tiago, Cefas e João” como “colunas” na igreja de Jerusalém. 
Essa lista de Paulo reflete a ordem das respectivas cartas deles no Novo Testamento (Tiago, 1 Pedro, 2 Pedro, 1 João, 2 João, 3 João). A carta de Judas, meio-irmão de Jesus, aparece em seguida. O livro final do Novo Testamento, o Apocalipse de João, tem um gênero misto, incluindo cartas, profecia e revelação. Visto que grande parte do livro é formada de visões e imagens simbólicas que apontam para o fim do mundo, o livro é disposto como o último do cânon de 27 volumes do Novo Testamento.

O NOVO TESTAMENTO

EVANGELHO E ATOS

CARTAS 

PAULINAS

CARTAS GERAIS E APOCALIPSE

Mateus 

Marcos 

Lucas 

João 

Atos

Romanos 

1-2 Coríntios Gálatas 

Efésios 

Filipenses 

Colossenses 

1-2 

Tessalonicenses 1-2 Timóteo Tito 

Filemom

Hebreus 

Tiago 

1-2 Pedro 

1-3 João 

Judas 

Apocalipse





Devemos salientar que a prática de incluir diversas obras literárias em um único livro não é amplamente atestada até pelo menos o século II d.C. Antes desse tempo, a maioria dos livros na Bíblia teria circulado como rolos individuais. Uma comunidade de crentes talvez tivesse um gabinete no qual guardavam os vários rolos com etiquetas no final para identificar seu conteúdo. Nos séculos II e III, livros com múltiplas folhas (ou seja, códices) começaram a aparecer com maior frequência. Alguns eruditos têm sugerido que o impulso canônico dos cristãos primitivos era a força que estava por trás da criação do códice.

DIVISÕES EM CAPÍTULOS

Cristãos e judeus antigos citavam frequentemente as Escrituras com referência a um livro, um autor ou um evento textual, mas com pouca especificação adicional. Por exemplo, quando Jesus fez referência ao relato sobre Moisés, aludiu ao texto apenas com a expressão “no trecho referente à sarça” (Mc 12:26; Lc 20:37). À medida que os textos bíblicos iam sendo copiados, lidos e comentados, alguns indivíduos fizeram várias tentativas para subdividi los e dar-lhes títulos. Por exemplo, Eusébio (c. 260- 340 d.C.), proeminente historiador na igreja primitiva, dividiu os quatro evangelhos em vários cânones ou divisões. Os cânones de Eusébio estão incluídos em manuscritos antigos como o Códice VaticanoLei (Gênesis-Deuteronômio). Esses cinco livros são também chamados os Livros de Moisés ou o Pentateuco. (Pentateuco é uma palavra grega que significa “os cinco livros”.) Esses livros descrevem a origem do mundo, o começo da nação de Israel, a escolha de Deus referente a Israel, a entrega de suas leis a eles e sua condução até a fronteira da Terra Prometida. . 
De modo semelhante, os antigos rabinos judeus aplicaram várias subdivisões organizacionais ao texto.

Nossas atuais divisões em capítulos foram acrescentadas ao Antigo e ao Novo Testamento por Stephen Langton (1150-1228), arcebispo de Canterbury, no início do século XIII, enquanto dava palestras na Universidade de Paris.9 Langton acrescentou as divisões ao texto em latim, e as publicações posteriores seguiram seu formato. As divisões em capítulos de Langton foram inseridas de forma modificada ao texto hebraico por Salomon ben Ishmael, por volta de 1330 d.C.10 Nesse contexto, parece imprudente afirmar qualquer significado divino por trás das divisões em capítulos feitas por Langton, as quais são amplamente reconhecidas como quebrando o texto de modo não natural em alguns pontos. Por exemplo, a divisão entre os capítulos 10 e 11 de 1 Coríntios introduz uma quebra não natural no pensamento de Paulo.

DIVISÕES EM VERSÍCULOS

As divisões dos textos em versículos em nosso Antigo Testamento moderno baseiam-se na versificação padronizada pela família Ben Asher (escribas judeus) por volta de 900 d.C. Quando as divisões em capítulos de Langton foram acrescentadas à Bíblia hebraica, em data posterior (ver parágrafos anteriores), as divisões em capítulos foram ajustadas, algumas vezes, para se encaixar no esquema Ben Asher.11 Por isso, existem, eventualmente, pequenas diferenças entre o capítulo e o número de versículos das Bíblias em hebraico e em português. Em geral, os eruditos reconhecem a superioridade das divisões hebraicas em manterem juntas grandes unidades de pensamento.

As divisões em versículos no Novo Testamento foram acrescentadas a um texto bilíngue (grego e latim), em 1551, por Robert “Stephanus” Estienne, um impressor de Paris. Com base em um comentário obscuro feito pelo filho de Estienne, alguns eruditos afirmaram que o impressor fez as divisões em versículos enquanto cavalgava numa viagem de Paris a Lyon (explicando, assim, as quebras de texto não naturais). Mais provavelmente, o filho de Estienne tencionava dizer que seu pai dividiu o texto enquanto descansava nas pousadas durante a viagem.12

Antes da divisão em versículos de Estienne, eruditos bíblicos eram obrigados a se referir aos textos com expressões como “na metade do capítulo 4 de Gálatas”. Embora deficiente, a divisão de Estienne foi um grande avanço em permitir especificidade na citação. A primeira Bíblia em inglês a ter divisões em versículos foi a Bíblia de Genebra de 1560. Embora Estienne ainda seja criticado por algumas de suas segmentações, é quase impensável que qualquer outro esquema viesse a desafiar a aceitação universal do sistema dele. Outra vez, conhecer a história de nossas atuais divisões em versículos deve nos impedir de envolver-nos em matemática bíblica criativa, afirmando significado divino por trás dos números de versículos.



SOURCES FOR FURTHER STUDY

Carson, D. A. “Approaching the Bible”. Em The New Bible Commentary: 21st Century Edition, editado por D. A. Carson et al., 1-19. Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1994.

Erickson, Millard J. Christian Theology. 2nd ed. Grand Rapids: Baker, 1998. (Ver cap. 10, pp. 224-45).

Marshall, I Howard. Biblical Inspiration. Grand Rapids: Eerdmans, 1982.

Esse resumo de cinco teorias é extraído de Millard J. Erickson, Christian Theology, 2nd ed. (Grand Rapids: Baker, 1998), 231-33. Erickson chama a teoria de inspiração verbal e plenária de “teoria verbal”.

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