"Caminhando
pelo deserto deste mundo, parei num sítio onde havia uma caverna (a
prisão de Bedford): ali deitei-me para descansar. Em breve adormeci
e tive um sonho. Vi um homem coberto de andrajos, de pé, e com as
costas voltadas para a sua habitação, tendo sobre os ombros uma
pesada carga e nas mãos um livro".
Faz três séculos que João Bunyan assim iniciou
o seu livro, o Peregrino. Os
que conhecem as suas obras literárias podem testificar de que ele é,
de fato, "o Sonhador Imortal" - "Estando ele
morto, ainda fala". Contudo, enquanto miríades de crentes
conhecem o Peregrino, poucos
conhecem a história da vida de oração desse valente pregador.
Bunyan, na sua obra, Graça
Abundante ao Principal dos Pecadores, nos
informa que seus pais, apesar de viverem em extrema pobreza,
conseguiram ensiná-lo a ler e escrever. Ele mesmo se intitulou
a si próprio de "o principal dos pecadores"; outros
atestam que era "bem-sucedido" até na impiedade. Contudo,
casou-se com uma moça de família cujos membros eram crentes
fervorosos Bunyan era funileiro e, como acontecia com todos os
funileiros, era paupérrimo; ele não possuía um prato nem uma
colher - apenas dois livros: O Caminho
do Homem Simples para os Céus e A
Prática da Piedade, obras que seu pai,
ao falecer, lhe deixara. Apesar de Bunyan achar algumas coisas que
lhe interessavam nesses dois livros, somente nos cultos é que se
sentiu convicto de estar no caminho para o Inferno.
Descobre-se nos seguintes trechos, copiados de
Graça Abundante ao Principal dos
Pecadores, como ele lutava em oração
no tempo da sua conversão:
"Veio-me
às mãos uma obra dos 'Ranters', livro estimado por alguns
doutores. Não sabendo julgar os méritos dessas doutrinas,
dediquei-me a orar desta maneira: 'Ó Senhor, não sei julgar entre o
erro e a verdade. Senhor, não me abandones por aceitar ou rejeitar
essa doutrina cegamente; se ela for de ti, não me deixes
desprezá-la; se for do Diabo, não me deixes abraçá-la!' - e,
louvado seja Deus, Ele que me dirigiu a clamar; desconfiando na minha
própria sabedoria, Ele mesmo me guarda do erro dos 'Ranters'.
A Bíblia já era para mim muito preciosa nesse tempo."
"Enquanto
eu me sentia condenado às penas eternas, admirei-me de como o
próximo se esforçava para ganhar bens terrestres, como se esperasse
viver aqui eternamente... Se eu pudesse ter a certeza da
salvação da minha alma, como se sentiria rico, mesmo que não
tivesse mais para comer a não ser feijão."
"Busquei
o Senhor, orando e chorando e do fundo da alma clamei: 'Ó Senhor,
mostra-me, eu te rogo, que me amas com amor eterno!' Logo que clamei,
voltaram para mim as palavras, como um eco: 'Eu te amo com amor
eterno!' Deitei-me para dormir em paz e, ao acordar, no dia
seguinte, a mesma paz permanecia na minha alma. O Senhor me
assegurou: 'Amei-te enquanto vivias no pecado, amei-te antes, amo-te
depois e amar-te-ei por todo o sempre'."
"Certa
manhã, enquanto tremia na oração, porque pensava que não houvesse
palavra de Deus para me sossegar, Ele me deu esta frase: 'A
minha graça te basta'."O meu entendimento foi tão iluminado
como se o Senhor Jesus olhasse dos céus para mim, pelo telhado
da casa, e me dirigisse essas palavras. Voltei para casa
chorando, transbordando de gozo e humilhado até o pó."
"Contudo,
certo dia, enquanto andava no campo, a consciência inquieta, de
repente estas palavras entraram na minha alma: 'Tua justiça está
nos céus.' E parecia que, com os olhos da alma, via Jesus Cristo à
destra de Deus, permanecendo ali como minha justiça... Vi, além
disso, que não é o meu bom coração que torna a minha justiça
melhor, nem que a prejudica; porque a minha justiça é o próprio
Cristo, o mesmo ontem, hoje e para sempre. As cadeias então
caíram-me das pernas; fiquei livre das angústias; as tentações
perderam a força; o horror da severidade de Deus não mais me
perturbava, e voltei para casa regozijando-me na graça e no amor de
Deus. Não achei na Bíblia a frase: 'Tua justiça está nos céus.'
Mas achei 'o qual para nós foi feito por Deus sabedoria e justiça,
e santificação, e redenção' (1 Coríntios 1.30) e vi que a outra
frase era verdade.
"Enquanto
eu assim meditava, o seguinte trecho das Escrituras penetrou no meu
espírito com poder: 'Não pelas obras de justiça que houvéssemos
feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou.' Assim fui
levantado para as alturas e me achava nos braços da graça e
misericórdia. Antes temia a morte, mas depois clamei: 'Quero
morrer.' A morte tornou-se para mim uma coisa desejável. Não se
vive verdadeiramente antes de passar para a outra vida. 'Oh!' -
pensava eu - 'esta vida é apenas um sonho em comparação à
outra!' Foi nessa ocasião que as palavras 'herdeiros de Deus'
se tornaram tão cheias de sentido, que eu não posso explicar aqui
neste mundo. 'Herdeiros de Deus!' O próprio Deus é a porção dos
santos. Isso vi e disso me admirei, contudo, não posso contar o
que vi... Cristo era um Cristo precioso na minha alma, era o meu
gozo; a paz e o triunfo por Cristo eram tão grandes que tive
dificuldade em conter-me e ficar deitado."
Bunyan,
na sua luta para sair da escravidão do vício e do pecado, não
fechava a alma dos perdidos que ignoravam os horrores do
inferno. Acerca disto ele escreveu:
"Percebi
pelas Escrituras que o Espírito Santo não quer que os homens
enterrem os seus talentos e dons, mas antes que despertem esses
dons... Dou graças a Deus, por me haver concedido uma medida de
entranhas e compaixão, pela alma do próximo, e me enviou a
esforçar-me grandemente para falar uma palavra que Deus pudesse usar
para apoderar-se da consciência e despertá-la. Nisso o bom Senhor
respondeu ao apelo de seu servo, e o povo começou a mostrar-se
comovido e angustiado de espírito ao perceber o horror do seu pecado
e a necessidade de aceitar a Jesus Cristo."
"De
coração, clamei a Deus com grande insistência que Ele tornasse a
Palavra eficaz para a salvação da alma... De fato, disse
repetidamente ao Senhor que, se o meu enforcamento perante os
olhos dos ouvintes servisse para despertá-los e confirmá-los
na verdade, eu o aceitaria alegremente."
"O
maior anelo em cumprir meu ministério era o de entrar nos
lugares mais escuros do país... Na pregação, realmente,
sentia dores de parto para que nascessem filhos para Deus. Sem fruto,
não ligava importância a qualquer louvor aos meus esforços; com
fruto, não me importava com qualquer oposição."
Os
obstáculos que Bunyan tinha de encarar eram muitos e variados.
Satanás, vendo-se grandemente prejudicado pela obra desse servo
de Deus, começou a levantar barreiras de todas as formas.
Bunyan resistia fielmente a todas as tentações de
vangloriar-se sobre o fruto de seu ministério e cair na
condenação do Diabo. Quando, certa vez, um dos ouvintes lhe disse
que pregara um bom sermão, ele respondeu: "Não precisa
dizer-me isso, o Diabo já cochichou a mesma coisa no meu ouvido
antes de sair da tribuna."
Então
o inimigo das almas suscitou os ímpios para caluniá-lo e
espalhar boatos em todo o país, a fim de induzi-lo a abandonar seu
ministério. Chamavam-no de feiticeiro, jesuíta, cangaceiro e
afirmavam que vivia amancebado, que tinha duas esposas e que os seus
filhos eram ilegítimos.
Quando
o Maligno falhou em todos esses planos de desviar Bunyan do seu
ministério glorioso, os inimigos denunciaram-no por não observar os
regulamentos dos cultos da igreja oficial. As autoridades civis o
sentenciaram à prisão perpétua, recusando terminantemente a
revogação da sentença, apesar de todos os esforços de seus
amigos e dos rogos da sua esposa - tinha de ficar preso até se
comprometer a não mais pregar.
Acerca
da sua prisão, ele diz: "Nunca tinha sentido a presença de
Deus ao meu lado em todas as ocasiões como depois de ser
encerrado... fortalecendo-me tão ternamente com esta ou aquela
Escritura até me fazer desejar, se fosse lícito, maiores provações
para receber maiores consolações".
"Antes
de ser preso, eu previa o que aconteceria, e duas coisas ardiam no
coração, acerca de como podia encarar a morte, se chegasse a tal
ponto. Fui dirigido a orar pedindo a Deus me fortalecesse com toda a
força, segundo o poder da sua glória, em toda a fortaleza e
longanimidade, dando com alegria graças ao Pai. Quase nunca orei,
durante o ano antes de ser preso, sem que essa Escritura me entrasse
na mente e eu compreendesse que para sofrer com toda a paciência
devia ter toda a fortaleza, especialmente para sofrer com
alegria."
"A
segunda consideração foi na passagem que diz: 'Mas nós temos tido
dentro de nós mesmos a sentença de morte para que não confiássemos
em nós mesmos, porém em Deus que ressuscita os mortos'. Cheguei a
ver, por essa Escritura que, se eu chegasse a ponto de sofrer como
devia, primeiramente tinha de sentenciar à morte todas as coisas que
pertencem à nossa vida, considerando-me a mim mesmo, minha
esposa, meus filhos, a saúde, os prazeres, tudo, enfim, como mortos
para comigo e eu morto para com eles.
"Resolvi,
como Paulo disse, não olhar para as coisas que se vêem, mas sim,
para as que se não vêem, porque as coisas que se vêem, são
temporais, mas as coisas que se não vêem, são eternas. E
compreendi que se eu fosse prevenido apenas de ser preso, poderia, de
improviso, ser chamado, também, para ser açoitado, ou amarrado ao
pelourinho. Ainda que esperasse apenas esses castigos, não
suportaria o castigo de desterro. Mas a melhor maneira para passar os
sofrimentos seria confiar em Deus, quanto ao mundo vindouro; quanto a
este mundo, devia considerar o sepulcro como minha morada, estender o
meu leito nas trevas, dizer à corrupção: Tu és meu pai', e aos
vermes: 'Vós sois minha mãe e minha irmã' (Jó 17.13,14).
"Contudo,
apesar desse auxílio, senti-me um homem cercado de fraquezas. A
separação da minha esposa e de nossos filhos, aqui na prisão
torna-se, às vezes, como se fosse a separação da carne dos ossos.
E isto não somente porque me lembro das tribulações e misérias
que meus queridos têm de sofrer; especialmente a filhinha cega.
Minha pobre filha, quão triste é a tua porção neste mundo!
Serás maltratada, pedirás esmolas; passarás fome, frio, nudez e
outras calamidades! Oh! os sofrimentos da minha ceguinha
quebrar-me-iam o coração aos pedaços!"
"Eu
meditava muito, também, sobre o horror ao Inferno para os que
temiam a Cruz a ponto de se recusarem a glorificar a Cristo, suas
palavras e leis perante os filhos dos homens. Além do mais, pensava
sobre a glória que Ele preparara para os que, em amor, fé e
paciência, testificavam dele. A lembrança destas coisas serviam
para diminuir a mágoa que sentia ao lembrar-me de que eu e meus
queridos sofriam pelo testemunho de Cristo".
Nem
todos os horrores da prisão abalaram o espírito de João Bunyan.
Quando lhes ofereciam a sua liberdade sob a condição de ele não
pregar mais, respondia: "Se eu sair hoje da prisão, pregarei
amanhã, com o auxílio de Deus".
Mas se alguém pensar que, afinal de contas, João
Bunyan era apenas um fanático, deve ler e meditar sobre as
obras que nos deixou: Graça Abundante
ao Principal dos Pecadores; Chamado ao Ministério; O Peregrino; A
Peregrina; A Conduta do Crente; A Glória do Templo; O Pecador
de Jerusalém é Salvo; As Guerras da Famosa Cidade de Alma-humana; A
vida e a Morte de Homem Mau; O Sermão do Monte; A Figueira
Infrutífera; Discursos Sobre Oração; O Viajante Celestial; Gemidos
de Uma Alma no Inferno; A Justificação é Imputada, etc.
Passou
mais de doze anos encarcerado. É fácil dizer que foram doze longos
anos, mas é difícil conceber o que isso significa - passou mais da
quinta parte da sua vida na prisão, na idade de maior energia. Foi
um quacre, chamado Whitehead, que conseguiu a sua libertação.
Depois de liberto, pregou em Bedford, Londres, e muitas outras
cidades. Era tão popular, que foi alcunhado de "Bispo
Bunyan". Continuou o seu ministério fielmente até a idade
de sessenta anos, quando foi atacado de febre e faleceu. O seu túmulo
é visitado por dezenas de milhares de pessoas.
-
Como se explica o êxito de João Bunyan? O orador, o escritor, o
pregador, o professor da Escola Dominical e o pai de família, cada
um conforme o seu ofício, pode lucrar grandemente com um estudo do
estilo e méritos de seus escritos, apesar de ele ter sido
apenas um humilde funileiro, sem instrução.
- Mas como se pode explicar o maravilhoso sucesso
de Bunyan? Como pode um iletrado pregar como ele pregava e escrever
num estilo capaz de interessar à criança e ao adulto; ao pobre e ao
rico; ao douto e ao indouto? A única explicação do seu êxito é
que "ele era um homem em constante
comunhão com Deus". Apesar de seu
corpo estar preso no cárcere, a sua alma estava liberta. Porque foi
ali, numa cela, que João Bunyan teve as visões descritas nos seus
livros - visões muito mais reais do que os seus perseguidores e
as paredes que o cercavam. Depois de desaparecerem os
perseguidores da terra e as paredes caírem em pó, o que Bunyan
escreveu continua a iluminar e alegrar a todas as terras e a
todas as gerações.
O
que vamos citar mostra como Bunyan lutava com Deus em oração:
"Há,
na oração, o ato de desvelar a própria pessoa, de abrir o coração
perante Deus, de derramar afetuosamente a alma em pedidos, suspiros e
gemidos. 'Senhor', disse Davi, 'diante de ti está todo o meu
desejo e o meu gemido não te é oculto' (Salmo 38.9). E outra vez:
'A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e me
apresentarei ante a face de Deus? Quando me lembro disto, dentro
de mim derramo a minha alma!' (Salmo 42.2-4). Note: 'Derramo a minha
alma!' é um termo demonstrativo de que em oração sai a própria
vida e toda a força para Deus".
Em
outra ocasião escreveu: "As melhores orações consistem,
às vezes, mais de gemidos do que de palavras e estas palavras não
são mais que a mera representação do coração, vida e
espírito de tais orações".
Como ele insistia e
importunava em
oração a Deus, é claro no trecho seguinte: "Eu te digo:
Continua a bater, chorar, gemer e prantear; se Ele se não levantar
para te dar, porque és seu amigo, ao menos por causa da tua
importunação, levantar-se-á para dar-te tudo o que
precisares".
Sem contestação, o grande fenômeno da vida de
João Bunyan consistia no seu conhecimento íntimo das Escrituras,
as quais amava; e na perseverança em oração ao Deus que adorava.
Se alguém duvidar de que Bunyan seguia a vontade de Deus nos doze
longos anos que passou na prisão de Bedford, deve lembrar-se de que
esse servo de Cristo, ao escrever O
Peregrino, na prisão de Bedford,
pregou um sermão que já dura quase três séculos e que hoje é
lido em cento e quarenta línguas. É o livro de maior circulação
depois da Bíblia. Sem tal dedicação a Deus, não seria
possível conseguir o incalculável fruto eterno desse sermão
pregado por um funileiro cheio da graça de Deus!
Social