Por que o pentecostalismo abraçou o dispensacionalismo clássico?




A marca primitiva do dispensacionalismo não era apenas a crença escatológica minimalista, mas também a forte oposição ao pentecostalismo. Cyrus Ingerson Scofield (1843 – 1921) foi um teólogo norte-americano e autor da famosa Bíblia de Referência Scofield, obra que ajudou a popularizar o dispensacionalismo escatológico entre os evangélicos, incluindo os pentecostais. Não é curioso que Scofield, um ferrenho anticarismático, tenha feito sucesso entre nós? Isso mesmo, a Bíblia de Estudo mais popular entre os pentecostais era justamente escrita por um antipentecostal. E o mesmo se dá hoje, onde John MacArthur Jr. é referência escatológica de muitos pentecostais.

Todavia, a relação entre essa obra e os pentecostais nem sempre foi passiva e pacífica.  A Comissão Executiva da Casa Publicadora das Assembleias de Deus nos EUA proibiu a propaganda da Bíblia de Referências Scofield na revista Pentecostal Evangel entre os anos de 1924 e 1926, mas a mesma comissão voltou atrás e permitiu a divulgação da Bíblia por achar que os “comentários edificantes pesavam mais do que as notas antipentecostais”[1]. O pastor Frank M. Boyd (1883-1984), importante teólogo assembleiano, era um entusiasta da obra de Scofield, assim como o missionário norte-americano Nels Lawrence Olson (1910-1993), que por muitos anos viveu no Brasil e ajudou a Assembleia de Deus local. A Bíblia Explicada (CPAD), a primeira de estudo entre pentecostais brasileiros, em muito dependia de Scofield, assim como a controvertida Bíblia de Estudo Dake, outra pioneira entre os carismáticos na América do Norte.

restauracionismo

A pergunta é: por que os pentecostais ficaram atraídos por uma obra escrita por um antipentecostal? A resposta está no restauracionismo do dispensacionalismo clássico, aliás, da própria efervescência milenarista do século XIX. O restauracionismo “era um esforço para a volta das práticas da igreja primitiva”[2]. Embora o restauracionismo seja uma marca presente entre Testemunhas de Jeová, mormonismo e adventismo, essa crença permeou muitos pentecostais que se viam como parte do último grande avivamento antes da parousia de Cristo.  A expectativa da iminência no dispensacionalismo casava muito bem com essa crença.

Charles Fox Parham (1873-1929), um importante pioneiro do Movimento Pentecostal, chegou a abraçar o Israelismo Britânico, uma crença um tanto bizarra que o Império Britânico era o novo Israel, ou melhor, era a descendência direta das antigas tribos do norte de Israel. Crença essa que lembra um pouco a própria escatologia do mormonismo. No entanto, essa crença de Parhman entrava em choque diretamente com a expectativa universalista de William Joseph Seymour que, em um primeiro momento, via na xenolaliaa marca para a evangelização mundial e como a agregação dos povos em um só.

Outros pentecostais se viam como a chuva serôdia do texto escatológico do profeta Joel.  A própria crença no Batismo no Espírito Santo como uma capacitação de poder para evangelismo (Atos 1.8) que visa à evangelização mundial até o fim (Mateus 24.14) reforçava tal ideia.

Todavia, o restauracionismo não ficou restrito aos sectários e carismáticos. O pastor presbiteriano Arthur T. Pierson (1837- 1911), que substitui o batista Charles Spurgeon no Metropolitan Tabernacle, chegou a criar um método de cálculos proféticos que previa uma grande crise mundial entre 1880 a 1920. A escatologia de Pierson foi influenciada pelo restauracionista e clérigo anglicano John Nelson Darby (1800-1882). Pierson foi consultor da Bíblia de Referência Scofield e amigo de nomes como D. L. Moody.

O antidenominacionalismo

Outro ponto importante de contato entre o dispensacionalismo e o pentecostalismo era o antidenominacionalismo, especialmente expresso nos Irmãos de Plymouth. A visão sombria sobre a história da Igreja corrompida institucionalmente corresponde à ideia de restauração por meio de um avivamento do Espírito. O antidenominacionalismo serve como pontapé inicial de outras teologias populares no meio carismático: a visão negativa da liturgia, o anticlericalismo, o anti-intelectualismo etc.

O pentecostalismo é necessariamente dispensacionalista?

Agora, é importante mencionar que o dispensacionalismo não é a crença primeva do pentecostalismo como um todo, especialmente o assembleianismo norte-americano. O teólogo Stanley M. Horton, por exemplo, mostra que o dispensacionalismo foi uma influência posterior, especialmente feita por Boyd, como mencionado acima[3]. O mesmo pode ser dito do Brasil, onde a onda dispensacionalismo no meio assembleiano é acentuada especialmente na década de 1970 e 1980 com os ensinamentos de nomes como Lawrence Olson, Abraão de Almeida e Antonio Gilberto.

Gerald T. Sheppard, outro teólogo pentecostal, também discorda de uma associação automática na história e na teologia do pentecostalismo com o dispensacionalismo. Sheppard chega a mencionar no artigo Pentecostals and the Hermeneutics of Dispensationalism: The Anatomy of an Uneasy Relationship (Pentecostais e a Hermenêutica do Dispensacionalismo: A anatomia de uma relação difícil)[4]que teologicamente o dispensacionalismo contradiz o pentecostalismo e vice-versa. Enquanto os pentecostais olham para a Igreja com um otimismo avivalístico e de expansão, os dispensacionalistas tendem a crença que o “mundo e a igreja vão de mal a pior”.

O assembleianismo norte-americano, ao contrário do brasileiro, tem se distanciado gradativamente do dispensacionalismo clássico. Um exemplo é a obra do teólogo Melvin Lyle Hodges (1909-1988) que enfatizou em sua obra sobre missões o aspecto do Reino como simbólico da transformação interior do crente. Embora pré-milenista, o teólogo Stanley Horton (1916-2014) também é outro nome que não tomou o dispensacionalismo como diretriz escatológica[5]. Outros nomes mais jovens como Frank Macchia e Amos Yong[6]já não podem ser classificados como tal. Embora, oficialmente, a denominação continue com a marca dessa escatologia.

Conclusão

Embora popular entre os pentecostais, o dispensacionalismo é mais uma influência externa, especialmente no casamento entre fundamentalismo e pentecostalismo na segunda geração dos pastores pentecostais. Esse é o mesmo fundamentalismo que afastou as mulheres dos púlpitos carismáticos e delegou a elas funções como professoras de crianças ou regentes musicais. Antes, vale lembrar, o papel feminino era tão intenso como o masculino. Em ambos os casos é mais uma imposição histórica do que necessariamente uma característica primitiva e dependente. Nem o dispensacionalismo depende do pentecostalismo nem o pentecostalismo depende do dispensacionalismo, ainda que hoje sejam a própria “unha e carne”.

[1]HORTON, Stanley M. (Ed.) Teologia Sistemática: uma Perspectiva Pentecostal. 8 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p 23.
[2]OLIVEIRA, José de. Breve História do Movimento Pentecostal. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p 31.
[3]HORTON, Stanley M. Avivamento Pentecostal. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1997. p 39-40.
[4] SHEPPARD, Gerald T. Pentecostalism and the Hermeneutics of Dispensationalism: The Anatomy of an Uneasy Relationship.  Pneuma: The Journal of the Society for Pentecostal. Studies 6 (Fall 1984), pp. 5-34.
[5]LEWIS, Paul W. Reflections of a Hundred Years of Pentecostal TheologyCyberjournal for Pentecostal-Charismatic Research. Acesso em: 24/01/16. Disponível em: Cyberjournal for Pentecostal-Charismatic Research

[6]Veja: MACCHIA, Frank. Pentecostal and Charismatic Theology. em: WALLS, Jerry L.  The Oxford Handbook of Eschatology. 1 ed. New York: Oxford University Press, 2010. pp 280- 294.
VONDEY, Wolfgang e MITTELSTADT, Martin William.  The Theology of Amos Yong and the New Face of Pentecostal Scholarship. 1 ed. Danvers: Clearence Center, 2013. p 127. 

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