Esse tipo de tomada de decisão quase divina também está aumentando no outro extremo do espectro da vida. O suicídio assistido ganhou notoriedade nacional em 2014, quando Brittany Maynard, uma jovem de 29 anos com câncer cerebral e um diagnóstico terminal, se mudou da Califórnia para o Oregon a fim de acabar com sua vida sob a “lei da morte com dignidade” daquele estado. Suas publicações explícitas nas mídias sociais destacavam sua vida jovem e vibrante, tendo uma reviravolta tenebrosa com o diagnóstico e as subsequentes convulsões, dores na cabeça e no pescoço, e sintomas semelhantes a derrame. Em 1º de novembro de 2014, ela publicou o seguinte nas mídias sociais pouco antes de ingerir uma dose fatal de barbitúricos: “Hoje é o dia em que escolhi falecer com dignidade diante da minha doença terminal, esse terrível câncer cerebral que tirou tanto de mim (…) mas teria tirado muito mais”.
Vemos nosso forte valor cultural nas palavras da Brittany: a doença e o sofrimento são uma retirada, e não uma contribuição para alguma coisa. Estar doente, ser menos do que totalmente capaz, enfrentar um futuro de aumento de dor e deficiência são coisas das quais não gostamos. Nós as rejeitamos e queremos acabar com elas antes mesmo de considerarmos aquilo do qual realmente estamos nos livrando.
O suicídio clinicamente assistido atualmente é legalizado em dez estados americanos, mais o Distrito de Columbia. Na maioria dos casos, os pacientes devem ter uma doença terminal e um prognóstico de seis meses ou menos de vida, e então seus médicos podem legalmente prescrever medicamentos para ocasionar a morte deles. No meu próprio estado do Colorado, o suicídio assistido foi legalizado em 2016; em 2019, foram elaboradas 170 receitas de medicamentos para auxiliar na morte, das quais 129 foram efetivadas.
Os oponentes do suicídio clinicamente assistido encontram inúmeras razões contra essa tendência crescente. Aqui estão apenas quatro que vale a pena considerar:
Muitos livros poderiam ser escritos sobre essas quatro razões apenas; mas no fim das contas, “morte com dignidade” é, na verdade, morte sem, ou com quase nenhuma, dignidade. A “morte com dignidade” descarta a vida muito rapidamente. A morte com dignidade genuína incluiria uma equipe de profissionais compassivos e entes queridos acolhendo o sofredor e procurando maneiras criativas de aliviar sua dor. A equipe faria o trabalho árduo de se aproximar, ficar em observação e permanecer com os doentes para confortar, ouvir e acalmá-los até o seu fim natural, dado por Deus. O desespero é uma tragédia, e também é pecado. Quem somos nós para encorajar o desespero dizendo: “Sim, termine tudo; sua vida não vale a pena ser vivida”, quando sabemos que Deus pode trazer beleza das cinzas (Is 61.1-3)?
Uma trágica ironia na velocidade com que o aborto e o suicídio assistido avançam é que a comunidade médica e o público em geral estão agora mais receptivos, empáticos e preparados para ajudar as pessoas com doenças e deficiências a ter uma qualidade superior de vida por muito mais tempo. Mas com todo esse progresso filosófico e médico ao nosso alcance, estamos prontos para jogar tudo fora, sem sequer usá-lo. Com cada vez menos sobreviventes com alguma condição (da Síndrome de Down à doença terminal em estágio terminal), essa qualidade de atendimento diminuirá.
Quando minhas meninas nasceram, parecia um milagre. Os médicos colocaram seus pequenos corpos no meu peito, e elas abriram os olhos embaçados e piscaram para os meus. Entregá-las ao mundo era sagrado, e todos naquela sala — mesmo os médicos e enfermeiros mais experientes — podiam sentir isso. Havia alegria, felicidade e lágrimas. Acho que ninguém supera a maravilha de uma nova vida, insubstituível e que não se repete.
Que grosseria, então, transformar um corpo maravilhoso em um mero instrumento, “o que significa tratá-lo como uma ferramenta a ser utilizada e controlada, em vez de valorizá-lo pelo que ele é”. Essa instrumentalização foi acelerada e reforçada por nossa época movida pela imagem. Contemplamos e criamos imagens de beleza e habilidade repetidamente e descartamos qualquer coisa inferior. As imagens nos entorpecem para a realidade ao nosso redor. Em um nível subconsciente, diariamente ou mesmo a cada hora, reforçamos a ideia de que vidas bonitas e hábeis são as melhores vidas.
E os cristãos, que sabem que todos nós temos a imagem de Deus, não estão ilesos. Tony Reinke nos aponta de volta para o teólogo e filósofo da igreja primitiva, Agostinho, que concluiu que as imagens que consumimos não são, como Reinke escreve, “diversão inofensiva; antes, são geladeiras que esfriam os corações cristãos ao condicionarem os espectadores a se tornarem observadores passivos dos conturbados problemas e necessidades daqueles que sofriam no palco”.
Cristã, seu coração está frio? Você é uma observadora passiva de situações conturbadas? Que tipo de vida você busca? Que tipo de vida você protege?
Uma reação à objetificação dos corpos pode se transformar em uma reação contra os próprios corpos. Esta é apenas uma casca que eu vou deixar para trás um dia, nós pensamos. Mas corpos são bons, e nós somos infinitamente mais do que instrumentos. Quando meu pastor-marido fica na frente de nossa igreja no final de cada culto aos domingos para dar a bênção, ele convida a congregação a se levantar e diz: “Reconhecendo que somos almas encarnadas, você poderia estender suas mãos para receber a bênção?”. É um pequeno gesto, mas é um lembrete semanal, de que o que acontece com o corpo, acontece com a alma. Somos seres humanos integrais — tanto o corpo quanto a alma estão presentes e são preciosos.
Quando Deus soprou vida nas narinas de Adão, o primeiro homem se tornou vivo não apenas fisicamente, mas mental e espiritualmente também. Nós, “seres humanos, somos seres integrados […], almas encarnadas e altamente desenvolvidas”. A Bíblia ensina que a alma e o corpo humanos são inseparáveis.
Vemos o valor duradouro que Deus dá aos corpos humanos desde o início. Ele fez o homem à sua imagem, mas em um corpo humano. O plano todo era que Deus habitasse conosco, em forma humana, na pessoa de Jesus, o qual vestiu-se de carne e veio, no ventre de Maria, como um bebê para nascer em uma manjedoura humilde. Emanuel, Deus conosco, Deus em carne e osso. A ressurreição de Jesus também é uma afirmação do corpo. Sua ressurreição é um precursor da nossa. O clímax da história de Deus em Apocalipse 21 e 22 nos diz que todo o povo de Deus, em corpos ressurretos, habitará com ele, e ele com seu povo, por toda a eternidade.
A Bíblia tem uma visão elevada das almas e corpos humanos, integrados, revelando a imagem de Deus para um mundo que observa. Cada corpo humano é inestimável, porque cada um carrega uma alma, cada um é imago Dei, cada um foi criado muito bom.
Autor: Jen Oshman participa do ministério de mulheres como missionária e esposa de pastor há mais de duas décadas e em três continentes diferentes. Ela é mãe de quatro meninas, autora e apresentadora de All Things, um podcast sobre tendências e eventos culturais. Jen e sua família moram no Colorado, onde seu marido plantou a Redemption Parker, uma igreja do ministério Acts29.
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