O Conceito Dispensacionalista da Aliança



Segundo Scofield, “uma dispensação é um período de tempo durante o qual o homem é provado quanto à obediência a alguma revelação específica da vontade de Deus”. [1] Dando mais ampla explicação disso, diz ele na página 20 do seu folheto sobre a Correta Divisão da Palavra de Deus (Rightly Dividing the Word of Ttuth) :

“Cada dispensação pode ser considerada como uma nova prova do homem natural, e cada uma delas termina em juízo – assinalando o seu fracasso”. Toda dispensação tem suas próprias características, e é tão distinta das demais que não pode ser misturada com nenhuma delas. Geralmente se distinguem sete dispensações: as dispensações da inocência, do governo humano, da promessa, da lei, da graça e do reino. Em resposta à questão sobre se Deus é assim tão inconstante que precisou mudar a Sua vontade, a respeito do homem, sete vezes, Frank E. Gaebelein replica:

“Não é Deus que vacilou. Embora haja sete dispensações, em princípio são uma só, totalmente baseada na prova única da obediência. E se o homem fosse achado capaz de preencher as condições baixadas pela primeira dispensação, as outras seis seriam desnecessárias. Mas o homem falhou. Contudo, em vez de expulsar a Sua criatura culpada, Deus se compadeceu e o submeteu a nova prova sob novas condições.

Assim, cada dispensação termina com o fracasso do homem e, cada dispensação demonstra a misericórdia de Deus”. [2] Há sérias objeções a esse conceito. (a) A palavra dispensação (oikonomia), que é um termo bíblico (cf. Lc 16.2-4; 1 Co 9.17; Ef 1.10; 3.2, 9; Cl 1.25; 1 Tm 1.4), aqui é empregada num sentido antibíblico. A referida palavra indica mordomia, uma disposição ou uma administração, mas nunca um período de prova ou de experiência. (b) É evidente que as distinções são completamente arbitrárias. Já o patenteia o fato de que os próprios dispensacionalistas dizem que elas se sobrepõem

umas às outras. A segunda dispensação é chamada dispensação da consciência, mas, segundo Paulo, a consciência continuava sendo o inspetor dos gentios nos seus dias, Rm 2.14,15. A terceira é conhecida como dispensação do governo humano, mas o seu mandamento específico, que foi desobedecido e que, portanto, tornou o homem passível de julgamento, não foi o mandamento para governar o mundo em lugar de Deus – coisa da qual não há vestígio – mas o mandamento para encher a terra. A quarta recebe o designativo de dispensação da promessa e se supõe haver terminado

com a dádiva da lei, mas Paulo afirma que a lei não anulou a promessa e que esta continuava vigente nos seus dias, Rm 4.13-17; Gl 3.15-29. A dispensação da lei, assim chamada, está repleta de gloriosas promessas, e a dispensação da graça, assim chamada, não abrogou a lei como regra de vida. A graça só oferece escape da lei como condição de salvação (como ocorre na aliança das obras), da maldição da lei e da lei como poder suplementar. (c) De acordo com a descrição usual desta teoria, o homem está sempre em prova. Ele falhou na primeira prova e assim perdeu a recompensa da vida eterna, mas Deus se compadeceu dele e, por Sua misericórdia, deu-lhe nova oportunidade de experiência. Repetidos fracassos levaram a repetidas manifestações da misericórdia de Deus com a introdução de novas experiências que, todavia, mantiveram o homem em prova o tempo todo. Isto não é equivalente a dizer que Deus com justiça prende o homem natural à condição da aliança das obras – o que é perfeitamente verdadeiro – mas que Deus, com misericórdia e compaixão e, portanto, aparentemente para salvar o homem, dá-lhe oportunidade após oportunidade de satisfazer as condições sempre variantes e, assim, obter a vidaeterna pela prestação de obediência a Deus. Esta representação é contrária à Escritura, que não descreve o homem decaído como ainda em prova, mas como um completo fracasso, totalmente incapaz de prestar obediência a Deus, e absolutamente dependente da graça de Deus para a salvação. Bullinger, ele próprio um dispensacionalista, se bem que de um tipo algo diferente, está certo quando diz:

“O homem estava então (na primeira dispensação) no que se chama ‘sob prova'. Isso marca aquela administração aguda e absolutamente; pois agora o homem não está sob prova. Supor que está é uma falácia popular que fere a raiz das doutrinas da graça. O homem foi experimentado e provado, e provou que é uma ruína”. [3] (d) Esta teoria é também de tendência divisora, desmembrando o organismo da Escritura com resultados desastrosos. Segundo a teoria em foco, as partes da escritura que pertencem a uma das dispensações são dirigidas ao povo dessa dispensação e a mais ninguém, e só têm significação para esse povo. Significa, nas palavras de Charles C. Cook, “que no velho testamento não há uma única sentença que se aplique ao cristão como regra de fé e prática – nem um só mandamento que o obrigue, como também não há ali uma única promessa dada a ele em primeira mão,

exceto aquilo que está incluído na vasta corrente do plano de redenção, ali ensinado por meio de símbolos e profecias”. [4] Não significa, diz a teoria em apreço, que não podemos extrair lições do Velho testamento. A Bíblia está dividida em dois livros, o Livro do Reino, que compreende o Velho Testamento; e o Livro da Igreja, que consiste do restante do Novo testamento e é dirigido a nós. Desde que as dispensações não se misturam, segue-se que na dispensação da lei não há nenhuma revelação da graça de Deus, e na dispensação da graça, nenhuma revelação da lei no sentido de obrigar o povo de Deus do tempo do Novo testamento. Se o espaço no-lo permitisse, não nos seria difícil provar que esta posição é inteiramente insustentável.

NOTAS:

[1] - Scofield Bible, p. 5.

[2] - Exploring the Bible, p. 95.

[3] - How to Enjoy the Bible . p. 65.

[4] - God's Book Speaking For Itself, p. 31.

Fonte: BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática . Editora Cultura Cristã.

Close Menu