O outro 'evangelho'


O autonomeado cristianismo progressista é uma abordagem teológica recente, surgida nos Estados Unidos, e que se desenvolveu a partir do cristianismo liberal europeu dos séculos 19 e 20. Seus adeptos assumem uma postura crítica e revisionista da tradição cristã. Seguindo a Nova Esquerda e suas políticas identitárias, originadas após a queda do Muro de Berlim e da derrota do comunismo na Europa (entre 1989 e 1991), se notabilizam, na atualidade, por entenderem que a classe que salvará o mundo será a dos “excluídos” e das minorias. Mas os cristãos progressistas reinterpretam radicalmente a fé cristã, tornando-a em algo amorfo, totalmente distinto daquilo que se pode receber como revelação de Deus nas Escrituras Sagradas. 

Em linhas gerais, os cristãos progressistas repudiam a Bíblia como Palavra de Deus inspirada e infalível; falam da irrelevância da Trindade ou defendem o teísmo aberto; desconsideram os ensinos sobre o pecado original e pessoal e a salvação pela graça; repudiam o nascimento virginal de Cristo Jesus, seu sacrifício expiatório e substitutivo na cruz e sua ressurreição corporal; abdicam todo e qualquer milagre ou sinal divino; são críticos das igrejas ou são “desigrejados”; e são indiferentes ou abandonam qualquer crença na segunda vinda de Cristo. 

Essa ruptura com a crença consensual cristã pode ser encontrada em uma consulta aos livros, artigos, ensaios e apostilas sugeridos ou publicados por estes, além de entrevistas concedidas a jornais e televisão, e que ilustram a ruptura com a fé entre muitos dos “cristãos progressistas” brasileiros – se tornou lugar comum entre estes, por exemplo, afirmar que Jesus “ressuscitou na memória dos [seus] seguidores”. Tristemente, há no Brasil várias faculdades teológicas e instituições que também disseminam tal incredulidade. 

Deve-se deixar claro que os cristãos progressistas não estão questionando questões secundárias ou não essenciais à fé. Eles romperam, como escreveu Vicente de Lérins, com “aquilo que foi crido em todo lugar, em todo tempo e por todos os fiéis a fé comum a cristãos católicos, protestantes e pentecostais. Os cristãos progressistas, para lembrar do brado de Karl Barth em 1934, “têm uma fé diferente, um espírito diferente, um Deus diferente” do que os cristãos têm confessado tradicionalmente – no fim, são apenas a reaparição do gnosticismo, do marcionismo, do arianismo e do pelagianismo em roupagem esquerdista. Se há tal ruptura com a tradição cristã mais ampla, como reconhecer esses autoproclamados “progressistas” como cristãos? 

Ao mesmo tempo, esses cristãos progressistas tornam absoluta toda a agenda atrelada aos anseios hegemônicos da esquerda e extrema esquerda, defendendo ferrenhamente: a imanência de Deus e o panenteísmo; o foco na moralidade, não na salvação; a união homoafetiva e a redefinição do conceito de família; a defesa do aborto; a liberalização das drogas; o antissemitismo e o antissionismo, com a caracterização de Israel como um “Estado terrorista”; a divisão marxista da sociedade em categorias de opressor e oprimido/vítima; uma política identitária que divide a sociedade, sem nenhum interesse em reconciliação; a crença de que “todos os homens brancos são responsáveis pela opressão branca” e que o homem branco cristão é o opressor, “o diabo”, e que “a igreja ‘branca’ é o Anticristo”; a satanização dos opressores e imposição aos indivíduos de pagar por opressões históricas das categorias a que pertencem; e a fé de que o Estado controlador, sob o domínio do Partido, pode moldar e controlar a sociedade civil, levando-a a um milênio secularizado. Cada um desses tópicos assume status de dogma inquestionável para os cristãos progressistas – que são, na verdade, devotos da igreja vermelha do politicamente correto, e se veem como parte de um tipo de nova ordem religiosa, totalmente leais ao Partido e ao santo graal da Ideia. E alguns de seus autores prediletos são Jürgen Moltmann, Hans Küng, Paul Tillich, Rob Bell, Brian McLaren, John Howard Yoder, Rosemary Radford Ruether, Leonardo Boff, Frei Betto, Gustavo Gutiérrez, Severino Croatto, James Cone, William Paul Young, Kristin Kobes Du Mez, entre outros. 

Esse é todo o “evangelho” que os cristãos progressistas têm para oferecer. Assim, estes têm por alvo subverter os alicerces mais básicos da fé e da ética cristã para que a Igreja seja controlada (Gleichschaltung), subordinada à agenda do Partido/Estado esquerdista, com sua agenda inflexível e colossal. E aqueles que não concordam com essa agenda são chamados de fascistas, homofóbicos, racistas e misóginos. Assim, aqueles que não concordam com eles são tratados, simplesmente, como “não pessoas”. Em suma, o inimigo é desumanizado, assim justificando qualquer ato para silenciá-lo, inclusive pelo uso da violência. 

Mas todas as denominações cristãs que abraçaram o cristianismo progressista nos Estados Unidos estão em franco declínio. Então, quando pregadores, escolas cristãs, autores e blogueiros começam a se inclinar para o cristianismo progressista não é preciso adivinhar onde eles terminarão. O cristianismo progressista conduz seus adeptos à incredulidade. Pois, no fim, os cristãos progressistas se submetem a uma Ideia, não à Revelação. Por isso, não podem ser considerados evangélicos ou cristãos. Pois, reaplicando a avaliação do então cardeal Joseph Ratzinger sobre a Teologia da Libertação, pode-se afirmar que os cristãos progressistas procuraram “criar, já desde as suas premissas, uma nova universalidade em virtude da qual as separações clássicas da Igreja devem perder a sua importância. [...] [São uma] nova interpretação global do cristianismo [...] [que] revira radicalmente as verdades da fé [...] e as opções morais”. Em suma, estes são mais próximos do gnosticismo, do marcionismo, do arianismo e do pelagianismo que do cristianismo. Portanto, devem ser caracterizados como “cavalos de Troia” dentro da igreja cristã. 

Cada geração de cristãos tem sido confrontada com falsas doutrinas, movimentos heréticos e lobos em pele de cordeiro. E, em cada geração, Deus tem levantado seus servos, para proteger e orientar a igreja – servos como a autora dessa obra, a cantora e compositora cristã Alisa Childers. A autora dessa obra presta um grande serviço aos cristãos. Por meio de um texto envolvente, tanto teológico como pessoal, a autora narra como foi criada como cristã 

mas teve sua fé questionada em um lugar inesperado. Assim, ela compartilha sua jornada da desconstrução da fé para a descoberta de uma fé cristã vibrante. E, no processo, oferece uma crítica ampla do cristianismo progressista, apresentando e refutando as ênfases que definem esse movimento – a rejeição dos ensinos bíblicos da Trindade; da autoridade e inspiração da Escritura; da natureza pecaminosa do homem; da realidade do pecado que nos separa de Deus; do nascimento virginal de Jesus, sua divindade, impecabilidade, morte expiatória e ressurreição física. O ceticismo e a ideologia esquerdista se infiltraram dentro da igreja, para subvertê-la a partir de dentro – como um “cavalo de Troia”. Essas são doutrinas que os cristãos progressistas rejeitam foram cridas e confessadas pela igreja desde seu início. E ela demonstra que negar esses ensinos significa rejeitar o cristianismo original e histórico, que está fundamentado na revelação bíblica: “Os cristãos progressistas assumem que estão pintando Deus com tom mais tolerante [...]. Mas na realidade, eles estão simplesmente construindo um deus codependente e impotente, que não tem poder para parar o mal. Esse deus não é verdadeiramente bom. Esse deus não é o Deus da Bíblia. Esse deus não pode salvá-lo”. O estrago que o movimento progressista tem feito, promovendo a mensagem do anticristo ao mesmo tempo em que ela vindica o verdadeiro evangelho de Jesus Cristo, confessado desde os primórdios, pela igreja cristã. 

Somos desafiados a levar a fé cristã a sério, a igreja cristã no Brasil precisa entender que o mesmo adversário que parasitou e predou a igreja cristã na América do Norte e na Europa está presente no Brasil. Portanto, que lembremos do alerta do apóstolo Paulo:

“Há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho de Cristo. Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos pregue um evangelho diferente do que já vos pregamos, seja maldito. Conforme disse antes, digo outra vez agora: Se alguém vos pregar um evangelho diferente daquele que já recebestes, seja maldito” (Gl 1.7-9).


 

Por: Franklin Ferreira é pastor da Igreja da Trindade e diretor-geral e professor de teologia sistemática e história da igreja no Seminário Martin Bucer, em São José dos Campos (SP). na introdução do Livro Outro evangelho.

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